O entendimento da CVM sobre os FIIs
24 de março de 2022
Caso o entendimento da CVM seja corroborado por decisão
irrecorrível, há expectativa que a Receita Federal do Brasil (RFB)
inicie processo de fiscalização dos FII e seus administradores
Os
fundos de investimento imobiliário ("FII") constituem uma modalidade de
investimento interessante, pois com aportes pequenos, é possível
participar de grandes empreendimentos imobiliários construídos ou em
construção (fundos de tijolo), ou mesmo investir em ativos lastreados em
imóveis (fundos de papel). Trata-se, portanto, de alternativa de
investimento com menor risco e retornos previsíveis frente ao
investimento direto em imóveis. Esses veículos de investimento foram
introduzidos pela lei 8.668/93, alterada pela lei 9.779/99, que trata
sobre o regime de tributação dos FIIs.
Na prática, o maior
atrativo do investimento em FII é o ganho de rendimentos mensais que, em
média, oscilam entre 0,5% a 2% do valor patrimonial das cotas, a
depender do resultado do fundo e do risco envolvido [1]. Esses
rendimentos são isentos de Imposto de Renda, quando pagos a cotistas
pessoas físicas por FIIs que tenham suas cotas negociadas exclusivamente
em bolsa de valores e que possuam mais de 50 cotistas [2].
A
apuração do montante distribuído a título de provento aos cotistas está
prevista na lei 8.668/93, sendo certo que devem representar "no
mínimo, noventa e cinco por cento dos lucros auferidos segundo o regime
de caixa, com base em balanço ou balancete semestral encerrado em 30 de
junho e 31 de dezembro de cada ano" [3]. Em que pese o acima
mencionado, para a elaboração de suas obrigações contábeis, os fundos
devem aplicar os critérios de reconhecimento, classificação e mensuração
dos ativos e passivos, previstos nas normas aplicáveis às companhias
abertas [4], que, em linhas gerais, determinam que a avaliação dos
ativos deve se pautar nas obrigações e direitos existentes, ainda que
não tenha sido recebido qualquer valor, o que é chamado de regime de
competência.
Existem nesse contexto, portanto, duas regras
aplicáveis aos FIIs: uma geral, que se refere aos critérios de
elaboração de demonstrações financeiras e balanço patrimonial, que leva
em conta o regime de competência, e outra regra mais específica, que
determina que o lucro a ser distribuído aos cotistas será apurado com
base no regime de caixa.
Recentemente, o mercado de fundos foi
surpreendido com o entendimento da Comissão de Valores Mobiliários
("CVM") em relação às remunerações pagas aos cotistas dos FIIs, no
sentido de que a distribuição de valores que exceder o lucro contábil
(regime de competência) não deve ser classificada como pagamento de
rendimentos, mas sim como amortização de cotas ou devolução de capital. A
decisão, embora proferida em caso específico, "pode se aplicar aos demais fundos de investimento imobiliário que tenham características similares ao do caso analisado", conforme informado pela própria CVM.
A
decisão proferida pelo Colegiado da CVM deveu-se ao recurso apresentado
pela administradora do Maxi Renda FII contra ofício enviado pela
Superintendência de Supervisão de Securitização-SSE que determinou que "o
limite superior do lucro passível de distribuição, pelos
administradores de FII, deve ser obtido pelo valor apurado na soma
entre: (i) o maior resultado apurado, entre o lucro contábil e o lucro
caixa, em A zero; e (ii) os lucros/prejuízos acumulados refletidos nas
demonstrações financeiras de A-1. Caso o saldo deste somatório seja
negativo, não poderá haver distribuição de rendimentos pelo
Administrador."
Nesse novo cenário, tem-se que a distribuição
de rendimentos dos FII deve ser apurada conforme o lucro contábil do
fundo (regime de competência), em contrapartida à apuração de lucro no
regime de caixa, como se dá atualmente pelo mercado de FIIs.
Esclarece-se
que no regime de caixa, a apuração dos rendimentos considera o
somatório das receitas oriundas do investimento do FII e as despesas do
período. No regime de competência, por outro lado, deve-se levar em
conta, também, possíveis reavaliações dos imóveis, depreciações (mesmo
as não realizadas) etc. Esses "ajustes" feitos no lucro contábil são
importantes para viabilizarem as análises prospectivas dos fundos, mas
não representam resultado financeiro, não sendo passível de
distribuição. Frente a esse cenário, fica o questionamento: caso o lucro
contábil seja superior ao lucro caixa, o administrador do FII será
obrigado a distribuir rendimentos, mesmo não tendo caixa? Lado outro,
caso o lucro caixa seja superior ao contábil, a parcela que exceder o
lucro deverá sempre ser classificada como realização de capital ou há
hipóteses em que poderá ser classificada como "rendimento"?
Percebe-se
que a decisão proferida pela CVM pode impactar o contexto tributário e
mercadológico dos FIIs. São dois impactos que merecem atenção: o risco
de a pessoa física ser tributada ao receber amortização de cota; e o
risco de os FIIs alterarem a forma e a periodicidade da distribuição dos
seus rendimentos.
Um aspecto relevante é que será mais difícil
às pessoas físicas oferecerem à tributação os seus ganhos com as cotas
de FIIs, tirando um grande atrativo desse tipo de fundo que reside na
simplicidade do investimento, uma vez que: (i) haverá dois "tipos" de
remuneração, os quais terão de ser devidamente discriminados pela
contabilidade dos fundos em suas declarações fiscais, um a título de
distribuição de rendimentos e o outro a título de amortização de cota ou
devolução de capital; e (ii) sobre o segundo tipo de remuneração, o
cálculo será complexo, já que o valor patrimonial por cota pode ter
grande oscilação frente ao preço inicial de subscrição ou aquisição pelo
investidor.
Vale mencionar que a distribuição de rendimentos de
FIIs é isenta de Imposto de Renda quando pago a pessoas físicas, mas, na
realização de capital, por meio da venda da cota em mercado secundário,
na liquidação do fundo ou mesmo na amortização de capital - como é o
caso -, o lucro da operação é tributado à alíquota de 20% a título de
ganho de capital. Caso o entendimento da CVM prevaleça, além de ser
devida a nova tributação, a pessoa física poderá correr o risco de o
Fisco exigir o tributo sobre a diferença entre o lucro contábil e o
lucro caixa para os dividendos distribuídos nos últimos 5 anos.
Para
que ocorra a tributação de forma transparente, de modo que a pessoa
física não seja surpreendida por uma tributação altamente complexa, será
necessário que os administradores dos FIIs informem qual a parcela
corresponderá à amortização da cota, que impactará no valor patrimonial
da cota, e o contribuinte deverá apurar a diferença entre o valor
patrimonial por cota no momento de sua aquisição e comparar com o valor
atual para apurar se houve ou não lucro tributável. Essa conclusão torna
o FII uma modalidade de investimento altamente complexa para fins
tributários, exatamente o que pretendeu-se evitar com a isenção fiscal
conferida aos rendimentos pagos à pessoa física, incentivando o fomento
em grandes empreendimentos de infraestrutura no país.
Outro ponto
a ser considerado diz respeito ao apelo de mercado que o FII tem,
conferindo rendimentos periódicos e consistentes, principalmente para
aqueles fundos que distribuíram rendimentos em valores acima do lucro
contábil: para eles, tal parcela "a mais" deverá ser considerada como
amortização de cotas e compor o prejuízo do FII. Isso pode fazer com o
que alguns fundos paguem menos rendimentos ou, até mesmo, fiquem
impossibilitados de distribuí-los por certo período, até que seja
neutralizado o impacto contábil das amortizações pagas em períodos
anteriores.
Atualmente, os efeitos da decisão encontram-se
suspensos e há a possibilidade de reversão deste posicionamento,
considerando que não houve unanimidade dos Diretores quando da
deliberação sobre o assunto. Caso o entendimento da CVM seja corroborado
por decisão irrecorrível, há expectativa que a Receita Federal do
Brasil (RFB) inicie processo de fiscalização dos FII e seus
administradores, assim como dos seus cotistas pessoas físicas, questão
que pode resultar em mais contencioso tributário.
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[1]
Estimativas realizadas considerando o dividend yeld ponderado por
participação do FII no índice IFIX. Em outubro de 2021, a projeção anual
média de proventos foi de 8,11%. Disponível aqui.
[2]
Para a pessoa física usufruir do benefício, esta não poderá deter
proporção de mais de 10% do fundo ou ter direito ao recebimento de mais
de 10% dos rendimentos do período (artigo 3º, inciso III e parágrafo
único, da Lei nº 11.033 de 2004).
[3] Redação da alteração promovida pelo artigo 1º da lei 9.779 de 1999 ao artigo 10 da lei 8.668, de 1993.
[4] Conforme Instrução CVM 516, de 2011, relativa à elaboração e divulgação das Demonstrações Financeiras dos FII.
Leia o artigo no Migalhas.