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Depósito compulsório e seus reflexos na base de cálculo do PIS-Cofins dos bancos

Tributário

13 de março de 2022

As instituições financeiras, sujeitas ao regime cumulativo, enfrentam embates jurídicos há décadas acerca dos limites conceituais aceitáveis e legalmente justificáveis para determinação da base de cálculo do PIS e da Cofins. Porém, essas empresas não encontram respostas concretas, nem ao menos definições balanceadas, junto ao Fisco federal.

Neste contexto, importante registrar que, de acordo com dados oficiais divulgados pela Receita Federal, as entidades financeiras são grandes contribuintes no país. Com base na arrecadação do ano de 2021, esse setor foi responsável por mais de 13% de todo pagamento de tributos federais [1].

Nesta linha de raciocínio, o PIS e a Cofins refletem uma arrecadação conjunta, neste mesmo período, de 20% de todo o recolhimento no âmbito dos tributos federais. Entre outros fatores, essa representatividade está vinculada à complexidade dessas contribuições e dos diferentes posicionamentos que levam ao aumento significativo do custo suportado pelos contribuintes para a compreensão e para o cumprimento das diferentes disposições que regem a exação fiscal.

Um exemplo significativo que demonstra a tentativa de alargar a base de cálculo dessas contribuições é a discussão sobre os depósitos compulsórios. Em mais um capítulo, no final de 2021, a RFB manifestou entendimento vinculante no sentido de que devem incidir PIS e Cofins sobre a remuneração decorrente de depósitos compulsórios realizados por instituições financeiras junto ao Banco Central do Brasil (Bacen), nos termos da Solução de Consulta Cosit n° 128/2021. A justificativa do Fisco se fundamenta no sentido de que tais rendimentos estariam vinculados com a atividade empresarial do setor.

Fato é que esse posicionamento pode trazer, aos contribuintes, incertezas e inseguranças jurídicas, as quais serão abordadas neste artigo, sob à luz da Constituição Federal e das demais leis que norteiam o PIS e a Cofins.

Cabe contextualizar que o recolhimento compulsório, também chamado de depósito compulsório, em linhas gerais, é um instrumento criado pelo Bacen para assegurar a confiança e a liquidez do sistema financeiro — do poder de compra da moeda —, e para executar a política monetária.

Noutros dizeres, as instituições financeiras são obrigadas a transferir ao órgão regulador parte de suas captações feitas à vista, a prazo e sobre os depósitos de poupança. Em termos práticos, o Bacen retém um percentual dos depósitos feitos nas instituições financeiras, monitorando a quantidade de dinheiro em circulação e, por conseguinte, a inflação.

Neste cenário, os depósitos compulsórios oriundos de captação a prazo e poupança são passíveis de remuneração, conforme preceitua o artigo 10 da Circular Bacen nº 3.916/2018 e artigo 7º da Circular Bacen nº 3.975/2020, respectivamente.

É sobre essa remuneração que a RFB entende haver incidência de PIS e de Cofins, sob o argumento de que esse valor integra as atividades das companhias em questão, mesmo não estando no contrato social nem no estatuto dessas empresas.

Contudo, a tentativa do Fisco contraria sobremaneira a legalidade tributária, uma vez que altera a base de cálculo dessas contribuições sem qualquer amparo legal. Na medida em que os recolhimentos compulsórios correspondem à transferência de valores custodiados ao Bacen, por determinação estritamente legal derivada do exercício de poder de polícia da referida autarquia, eles não estão relacionados à atividade de coleta de recursos ou mesmo de intermediação das instituições financeiras. Dito isso, aprofundemos melhor a questão.

As instituições financeiras estão sujeitas ao regime cumulativo do PIS e da Cofins, o qual, atualmente, encontra respaldo nas Leis nº 9.718/1998 e nº 12.973/2014.

Ocorre que esta não é a primeira vez que há entendimentos controversos sobre potencial alargamento da base de cálculo. Este tema é amplamente conhecido e debatido pelos operadores do Direito.

A Lei 9.718/1998, em seu artigo 3º, §1º, ampliou o faturamento estampado no texto original da Carta Magna, objetivando que o PIS e a Cofins incidissem sobre qualquer receita financeira.

Destaca-se que, nos artigos 149 e 195 da Constituição Federal de 1988, apenas as receitas advindas da atividade econômica da pessoa jurídica - notadamente aquelas concernentes ao faturamento pela venda de mercadorias e prestação de serviços - podem servir como base de cálculo do PIS e da Cofins.

Este tema foi exaustivamente judicializado pelos contribuintes, e o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que, na modalidade cumulativa, receita bruta (ou faturamento) corresponderia à receita de venda de mercadorias e de prestação de serviços, bem como aos ingressos advindos de outras atividades constantes do objetivo social das empresas, reconhecendo a inconstitucionalidade do alargamento das citadas exações (RE nº 346.084, DJ 01/09/2006, Red. p/ acórdão ministro Marco Aurélio, Voto Ministro Cezar Peluso).

Posteriormente, com o advento da Lei nº 12.973/2014, e na mesma linha de entendimento do STF, restou determinado que o PIS e a Cofins devem ser calculados com base no faturamento, o qual compreende a receita bruta da pessoa jurídica, entendido como o: 1) produto da venda de bens nas operações de conta própria; 2) preço da prestação de serviços em geral; 3) resultado auferido nas operações de conta alheia; e 4) as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas anteriormente.

No que tange à controvérsia acerca do conceito de faturamento para efeito de cálculo do PIS e da Cofins, não se mostra legítima a cobrança dessas contribuições sobre grandezas que extrapolem o conceito de receita bruta ou faturamento.

Feitas essas breves considerações, voltemos ao posicionamento do Fisco Federal que vai em sentido diametralmente contrário. A Receita determina que há incidência do PIS e da Cofins sobre a remuneração decorrente de depósitos compulsórios, mesmo que estes não sejam espécie de prestação de serviços das instituições financeiras.

Ao analisar as justificativas apresentadas pela RFB, podemos concluir que houve uma equivocada interpretação referente aos papeis e responsabilidades do Bacen e demais instituições financeiras. A Receita argumenta que, como os Bancos se submetem a todas as disposições legais e regulamentares aplicáveis ao Sistema Financeiro Nacional (SFN), entre elas normas do Bacen, para poder exercer suas atividades empresariais, seria evidente que o recolhimento dos depósitos compulsórios e os rendimentos decorrentes desses depósitos integram parte das atividades dos bancos, mesmo não estando no contrato social nem no estatuto da instituição.

Todavia, tal narrativa não procede, pois, se assim o fosse, todo e qualquer rendimento de instituições financeiras deveria ser tributado, já que se submete e é regulamentado pelo SFN e Bacen.

Além disso, não se pode considerar que o objeto da instituição financeira é realizar recolhimentos compulsórios para, destes, auferir remuneração, até porque esse recolhimento é decorrente de uma obrigação legal que veda o próprio exercício das típicas atividades sociais da entidade.  

Evidentemente, tais rendimentos não são gerados diante do preço cobrado por qualquer serviço prestado pelos Bancos, negócio celebrado de caráter bilateral e contraprestacional ou das atividades de 1) coleta, 2) intermediação ou aplicação e 3) custódia de valores. O que se indaga é que essa remuneração não está vinculada às operações das instituições financeiras, mas é uma mera condicionante ao próprio exercício das atividades normais para as quais a empresa se constituiu [2].

Nesse sentido, tais valores não devem ser tributados pelo PIS nem pela Cofins por não representarem receita da atividade empresarial, mas mera obrigatoriedade junto ao respectivo órgão regulador. Esse entendimento decorre da interpretação literal do artigo 195, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal, segundo o qual somente a receita e o faturamento das pessoas jurídicas podem integrar a base de cálculo dessas contribuições.

Parece-nos, inclusive, que esta conclusão guarda similitude com recente decisão proferida pela 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que permitiu que uma resseguradora não inclua na base de cálculo do PIS e da Cofins as receitas financeiras advindas de valores obtidos com aplicações dos ativos garantidores das suas reservas técnicas, justamente por considerar que essas empresas não possuem, como atividade-fim, a realização de investimentos compulsórios, tampouco o fazem com a finalidade de obter lucro (Acórdão n° 3201-009.552, publicado em 13/01/2022).

Esse precedente foi embasado no parecer do ex-ministro do STF, Cezar Peluso, que, ao avaliar a constituição da base de cálculo do PIS e da Cofins das seguradoras - empresas equiparadas às instituições financeiras -, rechaçou a expansão do alargamento dos conceitos utilizados pela RFB e considerou que se deve levar em conta o que preceitua a Constituição Federal, em seu artigo 195, inciso I.

Dessa forma, conclui-se que, por não serem contraprestações ao exercício das atividades das instituições financeiras e assemelhadas, os rendimentos dos depósitos compulsórios auferidos pelo setor não devem sofrer a incidência do PIS e da Cofins, em que pese o entendimento diverso, e restritivo, da RFB.

Interpretações contrárias, no que concerne à tributação do PIS e da Cofins cumulativos às instituições financeiras, violam princípios basilares da Constituição Federal, bem como a segurança jurídica dos contribuintes, já que nem toda e qualquer receita é tributável para fins de incidência dessas contribuições sociais, mas somente aquelas vinculadas à atividade ou ao objeto principal.

De tal modo, com base na permanente ânsia arrecadatória do Fisco, resta-nos acompanhar o deslinde dessa e de outras discussões análogas que envolvem o alargamento da base de cálculo do PIS e da Cofins.


[1] Análise da Arrecadação das Receitas Federais – Secretaria da Receita Federa do Brasil – Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros. Disponível em: Acesso em 04/03/2022.

Entidades Financeiras — Jan-Dez/21 - 181.613 (Unidade: R$ milhões).

[2] Acórdão nº 3201-003.264, publicado em 08/03/2018 e Acórdão nº 9303-005.051, publicado em 30/06/2017.

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