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Direito e Economia: a atualização da Taxa Siscomex e os possíveis significados para índices oficiais de inflação

Tributário

24 de janeiro de 2022

Por Henrique Perlatto Moura e Fernanda Andrade de Azevedo para o Migalhas

A atualização de base de cálculo por instrumento infralegal é exceção à legalidade e caberia ao legislador, este sim assistido por técnicos habilitados nas mais diversas áreas, suprir essa lacuna normativa para conferir segurança jurídica ao setor de COMEX brasileiro.

A relação direito e economia é fundamental para o funcionamento na vida em sociedade. Isso, pois o direito estabiliza as expectativas que projetamos e assegura a previsibilidade para que as relações comerciais se desenvolvam.

Ocorre que por vezes as decisões judiciais não são tão claras, de modo que, pela análise do direito, cria-se mais complexidade. Este é o caso do julgamento do RE 1.258.934/SC (Tema 1.085), sobre a possibilidade de atualização da taxa SISCOMEX de acordo com os índices oficiais de correção monetária.

Na ocasião do julgamento, foi fixada a seguinte tese:

A inconstitucionalidade de majoração excessiva de taxa tributária fixada em ato infralegal a partir de delegação legislativa defeituosa não conduz à invalidade do tributo nem impede que o Poder Executivo atualize os valores previamente fixados em lei de acordo com percentual não superior aos índices oficiais de correção monetária. [1]

Observa-se que, pelo prisma da economia, são diversos índices oficiais de correção monetária adotados pelas instituições para atualização dos valores financeiros. Cada um analisa aspectos distintos da economia para mensurar a inflação.

A afirmação "índices oficiais", portanto, em nada ajuda na solução desta controvérsia. São diversos os índices inflacionários aferidos tanto pelo IBGE quanto por instituições privadas que podem ser considerados oficiais. Então, muito embora o governo federal considere o IPCA o índice oficial para mensuração da inflação em nossa economia, outros índices acabam por ser utilizados para atualização de valores em contratos e em decisões judiciais.

Outro aspecto relevante é que o Supremo Tribunal Federal utilizou o INPC no julgamento do recurso que levou à fixação do Tema 1.093. A diferença prática é que o IPCA do período foi 131,6% e o INPC 126,24% [2]. Mesmo com essa decisão em tema de repercussão geral, a jurisprudência não é uníssona com relação a qual índice se aplica no caso concreto. Qual é a real diferença entre os principais índices inflacionários utilizados pela economia?

A taxa oficial de inflação da economia brasileira é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e é calculada pelo IBGE a partir da determinação da variação temporal dos custos das cestas de consumo de famílias das principais cidades brasileiras, que auferem renda mensal entre 1 e 40 salários mínimos. Este indicador é acompanhado pelo Conselho Monetário Nacional, que define metas de inflação para a operacionalização da política monetária pelo Banco Central, de forma a promover controle da trajetória dos preços e maior estabilidade e crescimento para a economia.

Não obstante, existem diversas maneiras de se mensurar a inflação em uma economia, uma vez que pode-se considerar diversos critérios para a aferição do aumento de preços. Frente a essa pluralidade, os julgadores têm aplicado outros índices que não o IPCA para atualização da taxa SISCOMEX, como o INPC e até o IGP-M. Percebe-se que por empregar o vocábulo "índices oficiais" o Supremo Tribunal Federal criou uma zona de penumbra interpretativa, passível de ser aclarada pelo índice que melhor reflete a inflação do período [3].

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que também é calculado pelo IBGE, diferencia-se do IPCA por considerar os aumentos de preços nas cestas de consumo de famílias que recebem mensalmente entre 1 e 5 salários mínimos. Uma vez que essa faixa de renda gasta um percentual maior de sua renda com seu custeio mensal, este índice tende a ser mais sensível às variações de preços na economia, o tornando mais volátil que o IPCA.

É importante também citar o Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), calculado pela FGV, que reflete a percepção do mercado sobre a inflação, de modo que os indicadores econômicos não sejam de monopólio estatal. A principal diferença deste índice para os anteriores, é que busca-se considerar não só a variação de preços para os consumidores (30%), mas também aos atacados (60%) e à construção civil (10%). Considera a economia de forma mais ampla, com abrangência de mais etapas produtivas. Apesar de ser bem aceito pelo mercado, inclusive sendo utilizado com frequência em contratos de aluguel, este indicador não é oficial, mas contribui com uma visão do mercado sobre a inflação, o que não ocorre com os anteriores.

Além dos índices citados, é importante ressaltar que existem diversos outros índices e sub-índices  inflacionários no país, com os mais diferentes critérios e enfoques para o crescimento de preços. Eles podem ser mais específicos, como o Índice Nacional de Custos de Construção (INCC) ou mais gerais, como o IGP-M ou o IPCA. Mesmo os índices que analisam a inflação de forma mais geral acabam por apresentar divergências entre si devido à diferença de pesos atribuída a cada item considerado na cesta de consumo.

Portanto, existe grande complexidade na análise dos diversos índices que sopesam critérios distintos para aferir inflação, não sendo esperado que o juiz detenha conhecimento econômico para definir qual índice reflete melhor a inflação do período. A lacuna deixada pela decisão do STF na fixação da tese evidencia que a decisão da suprema corte não necessariamente leva à definição do que deve ser adotado pelos tribunais inferiores no futuro.

Especialmente porque, ao ilustrar o caminho adequado (possibilidade de fundamentar atualização de base de cálculo de acordo com índices oficiais de inflação), não foi aclarado que são muitos caminhos possíveis, estes que levam a valores de taxa diferentes para contribuintes em condições semelhantes, afrontado a isonomia constitucional.

A "salomônica" decisão do STF não resolveu o problema da atualização de base de cálculo ou do índice inflacionário adequado [4], mas mostrou que nossos veículos legais carecem de definições simples, como qual a forma de mensurar a inflação para aquele determinado caso específico. A atualização de base de cálculo por instrumento infralegal é exceção à legalidade e caberia ao legislador, este sim assistido por técnicos habilitados nas mais diversas áreas, suprir essa lacuna normativa para conferir segurança jurídica ao setor de COMEX brasileiro.



[1] Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5862288&numeroProcesso=1258934&classeProcesso=RE&numeroTema=1085

[2] Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/04/16/julgamento-do-stf-provoca-mudanas-em-taxas-do-siscomex.ghtml

[3] Argumento mais frequente nas decisões analisadas.

[4] MORAIS, João Marcelo. CORREÇÃO MONETÁRIA DA TAXA SISCOMEX: TRANSAÇÃO COMO POSSÍVEL CAMINHO.  In Transação no contencioso Tributário Federal: Temas de possível eleição. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1RGFxD92XDws5gDdYhFRKLU5fLsAtU6s9/view

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