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A extrafiscalidade e o desenvolvimento sustentável: movimento refil

Tax Law

13 de dezembro de 2021

Políticas fiscais devem ser implementadas e centrar objetivos ecológicos

Observando o mundo que nos circunda, nas raras oportunidades que a vida cotidiana nos permite essa ação, não nos damos conta da fragilidade do extraordinário e vital sistema que é o meio ambiente, imprescindível para nossa sobrevivência.

De acordo com os dados apresentados pela Global Footprint Network (GFN), estima-se que utilizamos 74% dos recursos naturais que a Terra é capaz de regenerar. Deste modo, precisaríamos de 1,7 planeta para sustentar os atuais padrões de consumo do mundo.

A dívida ecológica só cresce, com juros pesados. É nesse viés que o desenvolvimento sustentável torna-se condição indispensável para assegurar a sobrevivência do meio ambiente.

No âmbito da Constituição de 1988 (art. 225), todos os indivíduos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que é bem de uso comum da sociedade, elemento indispensável para uma vida digna e de qualidade, inclusive para as próximas gerações. De modo conjunto, impõe-se à coletividade e ao Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo, sendo que, para tanto, é indispensável que todos estejam unidos em direção e entendimento iguais.

Entre outros fatores, é de conhecimento público que o plástico se tornou uma das maiores preocupações ambientais no cenário mundial. Nos tempos céleres em que vivemos, o consumismo tem sido o grande propulsor da manufatura descomunal em prol da indústria plástica.

Nessa linha de raciocínio, não há dúvidas que a reciclagem funciona lentamente em comparação ao montante descartado a cada segundo pela sociedade em geral. De tal modo, é necessário considerar novas formas de gerir os resíduos no intuito de diminuir o impacto ambiental causado pelos plásticos nas últimas décadas. [1]

Recentemente, dez dias antes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) divulgou um relatório prevendo que a poluição causada por plásticos duplique até 2030. Nos dias atuais, os plásticos representam 85% do lixo marinho, mas até 2040 esse volume irá triplicar. Anualmente, até 37 milhões de toneladas de lixo vão parar nos oceanos.

O fator “tempo” tem sido o norteador das mudanças que queremos ver nos próximos anos, em uma luta diária e eficiente para as próximas gerações.

Feitas essas breves considerações, diante do volume descomunal de embalagens plásticas em todo o mundo – sendo esta a principal forma de inserção do plástico no cotidiano da sociedade –, medidas precisam ser adotadas no intuito de haver algum controle sobre o consumo desse tipo de material. É neste ponto que a sustentabilidade nas embalagens é mais que uma tendência, se tornou uma necessidade no mercado atual e futuro.

Na busca por alternativas menos degradantes ao meio ambiente, algumas possibilidades vêm ganhando força e sendo inseridas nas atividades diárias. Dentre as soluções concebidas para essa importante transição, surgem as promissoras embalagens em refil, como uma das alternativas possíveis na busca pelo desenvolvimento sustentável.

Em síntese, o refil é um tipo de embalagem sustentável que pode ser elaborado de diversos materiais, sendo possível reduzir em mais de 80% o plástico utilizado na sua produção [2], além do baixo consumo de água e menor impacto ambiental.

Esse modelo tem gerado um movimento extraordinário em alcance global, sendo um marco no século em que mais se produziu resíduos. No Brasil, o refil ainda é tratado como novidade, até porque esse método não é factível para todas as empresas e requer uma mudança de comportamento dos consumidores.

Dito isso, evidente que a criação de políticas públicas se faz imprescindível para que o Estado possa contribuir para a perpetuação de um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, como um direito fundamental de todo cidadão. O ponto de partida para concepção de políticas públicas vem das necessidades e demandas sociais, compatibilizadas entre os deveres e garantias constitucionais.

Essas ações têm por finalidade propiciar transformação social, gerando um movimento de tomada de decisões com a eleição de demandas mais urgentes. Esse é o grande desafio da vida moderna: a constante transformação comportamental marcada pela concretização dos direitos fundamentais.

Para tornar possível esse conjunto de ações, deve-se haver transparência do governo no sentido de evidenciar o real problema e propor medidas de mitigação para conter os danos ambientais. A mudança na percepção sobre o assunto foi visível na COP 26.

No cenário constitucional, é possível integrar e relacionar os princípios do direito ambiental ao direito tributário – interdisciplinaridade –, possibilitando a consolidação de práticas que promovam um desenvolvimento sustentável.

A implementação de um sistema tributário ambiental para o refil pode causar ações positivas no ordenamento, que impactariam nos custos da atividade econômica empresarial, trazendo consequências positivas até mesmo em relação à competitividade, uma vez que quanto maior participação da indústria nesse procedimento, maior a sustentabilidade das embalagens.

Dessa forma, concede-se ao refil um lugar de destaque em um novo comportamento social. Somam-se a isso os demais debates e mecanismos já existentes em âmbito nacional e internacional na colaboração com meios sustentáveis, que qualificam a sociedade em seu bom proveito do meio ambiente.

Incentivando essa prática através dos tributos, os custos baixariam, subsidiariamente cumulada com políticas públicas voltadas à educação ambiental, o que aumentaria a crescente reflexão e capacidade do consumo desse tipo de embalagem, estimulando que cada cidadão atue de maneira edificante nesse processo.

Nesse viés, incentivar a produção e, por conseguinte, o consumo do refil ocasiona indiretamente – ao longo do tempo – a redução no uso das usuais embalagens plásticas, extremamente prejudiciais ao meio ambiente. Na verdade, ao mesmo tempo em que pretendemos estimular o consumo sustentável, indiretamente desestimulamos o consumo danoso. De fato, é até intuitiva essa afirmação.

Nos dias atuais, evidente que a função arrecadatória é relevante, na medida em que as receitas auferidas com tributos são utilizadas para que o Estado exerça suas funções, entre as quais está a preservação do meio ambiente. Nessa linha de raciocínio, a extrafiscalidade [3] representa um mecanismo de extrema importância no ordenamento, sendo que, por meio dela, o Poder Público pode implementar políticas de preservação ambiental, incentivando ou inibindo condutas por meio de intervenções na ordem econômica social. Na prática, tudo depende de decisão política.

Somos favoráveis que incentivos tributários sejam introduzidos no ordenamento jurídico para beneficiar a produção e o consumo de todos os produtos ecologicamente corretos, não apenas o refil. Quanto maior a eficiência e a redução dos danos que o produto acarreta ao meio ambiente – quando comparado ao produto similar sem qualquer medida sustentável –, menor deve ser a carga tributária incidente nas operações.

Noutros dizeres, a extrafiscalidade não é resultado de qualquer efeito da cobrança dos tributos, mas é um instrumento vinculado a valores constitucionais de aplicação efetiva, no sentido de prestigiar determinadas situações. [4]

Por outro lado, também somos favoráveis que políticas públicas sejam inseridas com o objetivo de inibir determinadas ações, impactando a carga tributária de forma mais gravosa, dentro dos ditames legais, desfavorecendo a eficiência fiscal do agente poluidor.

Nos países mais desenvolvidos que o Brasil, a experiência tem revelado que a implementação de um sistema tributário ambiental é definitivamente favorável, estimulando o comportamento individual, que se direciona de modo “ecológico”, inclusive em relação ao plástico.


Na Alemanha, de longa data, foi instituído imposto municipal sobre embalagens, pratos e talheres descartáveis. Na Bélgica, há o imposto devido pelos consumidores sobre bens descartáveis, similar ao exigido na Itália, notadamente sobre sacos plásticos [5].

O Reino Unido também está alinhado às práticas de sustentabilidade, no intuito de combater resíduos plásticos de uso único. A partir de 1º de abril de 2022, entrará em vigor legislação que prevê a cobrança de um novo imposto que se aplicará às embalagens plásticas fabricadas ou importadas no Reino Unido, que não contenham pelo menos 30% de plástico reciclado.

Diante do exposto, é certo que os debates e as políticas públicas envolvendo a tributação ambiental no Brasil se intensificaram nos últimos anos, no entanto, os mecanismos implementados ainda são pouco expressivos se comparados com os outros países, que possuem diferentes enfoques e especificidades para aplicação dos tributos ambientais.

A reflexão é mais impressionante quando analisamos, especificamente, o estímulo ao consumo de produtos sustentáveis no Brasil, que são o futuro e tão pouco explorados. Trazer o refil como diretriz para aplicação da extrafiscalidade só nos faz perceber a urgência de implementação de políticas públicas que sejam engrenagem auxiliar para este momento de renovação nos esforços de reduzir o material plástico no planeta.

Fato é que os tributos vão muito além da arrecadação, são úteis e eficazes no sistema de preservação ambiental, ocasionando medidas positivas no intuito de preservar o meio ambiente. É o começo de um caminho longo, mas esse trajeto é verdadeiramente possível.

Em tempos nos quais a preservação do meio ambiente tornou-se estratégia para manutenção da vida futura, toda forma de se evitar problemas de maneira consciente é mais benéfica do que resolvê-los no futuro de maneira desorientada.

[1] A reciclagem é uma alternativa para a gestão de resíduos, mas insuficiente para se equiparar ao ritmo da produção do material plástico. Para tanto, é necessário reeducar os consumidores e expandir a propagação da coleta seletiva para que sejam enviados às recicladoras, materiais aptos para a reciclagem. Ainda assim, é sabido que alguns tipos de plástico não podem ser reciclados e estes têm finalidade de incineração, causando danos à saúde da população. Dados alarmantes indicam que o Brasil é um dos maiores produtores de lixo plástico no mundo. Ainda, é um dos que menos recicla no cenário mundial.

[2] Para mais informações, recomendamos as seguintes referências: RIBEIRO, Inaê. Os produtos em refil são o futuro do mercado. Steal the Look. 22 abr. 2021. Disponível em: https://stealthelook.com.br/os-produtos-em-refil-sao-o-futuro-do-mercado. Acesso em: 05 dez. 2021; MARTINS, Renata. Refis reduzem em mais de 80% o plástico usado na produção de embalagens. Brazil Beauty News. 27 out. 2020. Disponível em: https://www.brazilbeautynews.com/refis-reduzem-em-mais-de-80-o-plastico-usado-na,3828. Acesso em: 05 dez. 2021; MOVIMENTO Refil: saiba como essa prática de consumo pode ajudar o planeta. Natura. 6 jan. 2019. Disponível em: https://www.natura.com.br/blog/sustentabilidade/movimento-refil-saiba-como-essa-pratica-de-consumo-pode-ajudar-o-planeta. Acesso em: 05 dez. 2021. 

[3] Não é possível individualizar as feições extrafiscais em um único dispositivo legal na Constituição de 1988, sendo que esse instrumento está espalhado em diversos artigos. A extrafiscalidade pode ser inserida de diversas formas no ordenamento, através da instituição e da graduação de tributos, técnicas de progressividade e diferenciação de alíquotas, concessão de isenções e outros incentivos fiscais. A função extrafiscal deve atuar na busca por mecanismos que auxiliem a evolução das práticas coletivas ao longo do tempo, incorporando condições e opções ecológicas, além de bases sustentáveis. 

[4] Os estímulos fiscais devem ser inseridos no ordenamento com a devida motivação e razoabilidade, dentro de um determinado período, até que a conduta desejada seja efetivamente implementada no ordenamento, uma vez que todos devem contribuir para a manutenção do Estado. 

[5] COSTA, Regina Helena. Tributação ambiental e gestão de resíduos sólidos. Revista Interesse Público (IP), Belo Horizonte, ano 21, n. 118, p. 146, nov./dez. 2019.


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