Artistas na administração de bancos: pessoas certas no lugar errado?
15 de julho de 2021
Introdução
Recentemente o mercado bancário foi
surpreendido com a notícia da indicação de uma conhecida artista e jovem
empresária de significativo sucesso para ocupar um lugar no conselho de
administração de uma importante fintech (que, no fundo, não deixa de
ser um banco). A partir do espanto geral, as reações foram as mais
diversas possíveis, desde a admiração e o apoio, até o torcer do nariz,
ou avaliação pior. Muitos dos comentários afirmam ter sido uma grande
jogada de marketing, duvidando-se que o nome da artista possa ser
aprovado pelo Banco Central do Brasil, BCB - dada a sua notória e
confessada inexperiência nesse ramo de negócios, o das instituições
financeiras. Afinal de contas, acrescentamos nós, empresa é empresa e
banco é banco. Uma coisa é ser empresário e estar do lado de quem pede
dinheiro emprestado ou o aplica; e outra bem diferente é ser banco e
intermediar a captação de recursos para emprestá-los e aplicá-los em
nome dos clientes. As expertises exigidas são inteiramente diversas.
Quando
se está diante de fintechs é preciso partir de uma consideração inicial
no sentido de que se trata de um ente novo no mercado financeiro (Iato
senso), devendo ser examinadas no contexto do que nelas é disruptivo e
do que é inerente às instituições financeiras do ponto de vista
histórico. Cabe à academia compreender a sua configuração para tratá-las
de forma adequada, no caso de que se trata, nos planos econômico e
jurídico, conjuntamente.
As fintechs são, no momento, um
verdadeiro laboratório de experiências no mercado financeiro, abertas
para a análise do acadêmico, destacando-se, dentre outros, dois pontos
essenciais: (i) não formam uma unidade institucional, pois cada uma tem o
seu projeto particular por meio do qual pretendem operar no mercado,
nele encontrando brechas para se posicionarem lucrativamente; e (ii) no
estágio inicial em que se encontram ainda não apresentaram em sua
generalidade um quadro de sustentabilidade econômica e financeira para o
longo prazo, tendo sido mantidas e desenvolvidas por meio de aportes
periódicos de capital próprio ou de terceiros, que assumem o risco
correspondente.
Uma particularidade desse tipo de instituição
financeira (as fintechs) está em que a movimentação das contas de seus
clientes dá-se exclusivamente no ambiente virtual por meio de um
smarthone, inexistindo agências físicas dentro das quais o cliente possa
conversar com o seu gerente.
Quando se fala em instituições
financeiras, logo se pensa em riscos no sistema financeiro - e,
portanto, no qualificativo sistêmico desses riscos em particular, o que
caracteriza o pavor dos reguladores nacionais e internacionais, sendo a
lembrança das mais recentes crises de 2007/2008 e 2011 a fonte dos seus
pesadelos recorrentes noturnos.
O laboratório que foi referido
acima permite análises a partir das informações disponíveis ao
pesquisador, de livre acesso, que procura tirar princípios gerais por
meio de uma abordagem inicialmente empírica. Nesse sentido, o jogo que
acontece no mercado no momento presente não implica em que o seu
estudioso torça por um time ou outro, devendo ser um juiz neutro das
condutas apuradas. The game is afoot, já diziam os britânicos. Chova ou
faça sol.
Veja-se, inicialmente, que a situação em foco perpassa
por microssistemas jurídicos que se interpenetram: (i) societário,
especialmente quanto às companhias em geral na sua operação dentro do
mercado financeiro; (ii) bancário; e (iii) concorrencial. Dada a
confluência das normas pertinentes, será preciso identificá-las em cada
um desses microssistemas, avaliá-las e ponderar a sua valoração para o
fim da escolha adequada, que pode ser uma somatória de diversos dos seus
dispositivos.
I) A publicidade, o seu papel relevante na economia e sua consideração no caso sob exame
Há
muito tempo que a publicidade está presente na sociedade humana, para o
fim do oferecimento de produtos ou de serviços, desde os antiquíssimos
pregoeiros que percorriam as ruas, até as tabuletas descobertas nas
ruínas de Pompeia.
É um instrumento ímpar na divulgação de
produtos e de serviços, que se utiliza dos mais diversos meios, e o
recurso a celebridades tem sido um dos mais eficientes. Modelos,
jogadores de futebol, pilotos de carros de corrida, animadores de
programas de televisão e artistas têm sido as pessoas mais procuradas
para tal finalidade, com excelentes resultados para os anunciantes. O
nível de sua influência pôde ser observado pela observação pelo lado
negativo quanto ao efeito pretendido (para o anunciante) quando,
recentemente, famoso jogador de futebol, durante uma entrevista
transmitida pela televisão, retirou de sua frente duas garrafas de
conhecido refrigerante, afirmando que água é melhor para a saúde. O
resultado imediato foi a queda da cotação das ações do fabricante em uma
Bolsa de Valores em cerca de cinco pontos percentuais, o que
correspondeu a bilhões de dólares de perda no seu valor de mercado.
A
publicidade é uma atividade lícita, devendo respeitar os parâmetros
adequados, de acordo com a legislação própria, não sendo o caso de se
tratar dela neste momento, pois é alheia às atuais preocupações. Basta
considerar a presunção de que a publicidade fazia parte do projeto que
foi posto em andamento com relação à aludida artista. Fosse uma pessoa
anônima, não haveria o efeito de atração de clientela, dentre outros
objetivos.
II) O Direito societário aplicável
Tratou-se da
indicação de uma pessoa para fazer parte do conselho de administração
de uma fintech, uma das mais importantes do mercado financeiro pátrio,
tomada como um verdadeiro modelo de negócio novo nessa área. Uma
particularidade desse tipo de instituição financeira (as fintechs) está
em que a movimentação da conta se dá exclusivamente no ambiente virtual
por meio de um smarthone, inexistindo agências físicas dentro das quais o
cliente poderia conversar com o seu gerente.
Tal fintech é
autorizada pelo Banco Central do Brasil a operar como instituição
financeira, praticando operações ativas, passivas e acessórias inerentes
à carteira de crédito, financiamento e investimento, de acordo com as
disposições legais e regulamentares aplicáveis às sociedades de crédito,
financiamento e investimento.
Examinemos em primeiro lugar como o
direito societário tutela a vida de uma sociedade anônima (caso próprio
das instituições financeiras) para depois aferirmos comparativamente a
legislação prudencial específica, emanada de leis especiais e de normas
dos reguladores para verificarmos como elas devem ser aplicadas em
relação a uma fintech.
Ora, a indicação de alguém para integrar
os quadros administrativos de uma companhia em geral deve considerar as
diferentes qualidades que são exigidas - diferentes para a diretoria e
para o conselho de administração - devendo ser analisado o papel do
controlador nesse processo. Como se sabe, os órgãos das sociedades são a
assembleia geral ou reunião de sócios, o controlador, o conselho de
administração (não obrigatório para todas as sociedades), a diretoria e o
conselho fiscal - a auditoria independente, como seu próprio nome
anuncia, é externa à sociedade. Façamos a análise desses órgãos,
especialmente o conselho de administração e a diretoria, dentro dos
termos da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976- LSA), que é a
aplicável às instituições financeiras, obrigatoriamente constituídas sob
aquela forma social.
Podemos esquematizar as funções dos órgãos sociais da seguinte forma, no seu cerne:
1)
a assembleia geral é o poder máximo da sociedade, operando por meio da
vontade da maioria dos acionistas - em boa parte dos casos, sob um
controle permanente - sendo que o controle pode ser majoritário ou
resultar de acordos de acionistas;
2) o controlador controla
a sociedade nos termos e limites do estatuto social, positivos e
negativos, respondendo por abuso de poder controle no caso ação ou
omissão que acarretem prejuízos a pessoas diversas, a partir dos
acionistas minoritários.
3) o conselho de administração traça a orientação geral dos negócios da companhia (estratégia);
4) a diretoria realiza a administração social (execução); e
5)
o conselho fiscal fiscaliza os atos dos administradores, assim como
verifica o cumprimento dos deveres legais e estatutários destes.
No
cenário acima, cabe ao controlador indicar pessoas para fazerem parte
do conselho de administração e da diretoria, eventualmente tendo lugar
eleições segundo as diretrizes de acordos de acionistas. Na forma do
estatuto, poderá ser dado o direito de voto para tal fim a minoritários
(titulares de ações ordinárias ou preferenciais) para o fim da eleição
por votação em separado de um ou mais membros dos órgãos de
administração (Lei 6.404/1976, arts. 16, III e 18, caput). Pareceria
haver uma diferença sutil entre os dois dispositivos aqui citados, no
sentido de que o voto em separado pelos acionistas ordinários seria para
o fim de preencher determinados cargos nos órgãos administrativos
(dessa forma, tanto no conselho de administração, quanto na diretoria),
enquanto o voto referente aos acionistas preferenciais estaria referido
sem o qualificativo "determinados". Mas nos parece que a lei não
estabeleceu diferenciação entre esses dois tipos de acionistas para tal
finalidade.
De qualquer maneira, seja para o conselho de
administração, seja para a diretoria, qualquer que seja o eleitor, as
indicações devem ser feitas em favor de pessoas tecnicamente idôneas ao
exercício das funções correspondentes, que são claramente diferentes
entre os dois órgãos, de acordo com as suas competências específicas.
Sempre o eleito deverá ser capaz de exercer adequadamente as funções
previstas na lei e no estatuto. E, tendo em conta que as atuais
considerações dizem respeito a instituições financeiras - um tipo muito
particular de empresa e cujas operações revestem-se de grande
complexidade - a indicação de pessoa estranha ao ramo é suscetível de
causar problemas, tanto para a companhia como para o indicado, em termos
de responsabilidades diversas.
Veja-se pela leitura do art.
142, inciso I, da LSA, em primeiro lugar, que a lei não cria a
possibilidade de especialização dos conselheiros de administração em
relação a determinadas matérias, considerando-se que a eles incumbe
fixar a orientação geral dos negócios da companhia. Neste sentido,
pode-se dizer que, mesmo um competente conselheiro de banco, com boa
história nessa área, poderá ter dificuldades para entender o negócio
particular das fintechs, que o desenvolvem no campo das novas
tecnologias, utilizadas em relação a serviços financeiros, como os de
pagamento e a operações de crédito, entre outros.
No caso
particular da fintech que está em exame sobre a mesa do nosso
laboratório, ela atua fundamentalmente (conforme o seu site) na
manutenção de contas correntes (pessoa física ou jurídica), no ambiente
do PIX, no fornecimento de cartão de crédito e na concessão de
empréstimos e de seguros.
Dessa maneira, é imprescindível que o
conselheiro de administração de uma instituição financeira tenha, no
plano da LSA, um conhecimento integrado de sua atividade,
compreendendo-a como um todo e sabendo analisá-la na composição
harmônica dos seus negócios, sempre a partir do atendimento da lei e do
estatuto social.
De acordo com o inciso III do mesmo art. 142,
cabe ao conselheiro de administração fiscalizar a gestão dos diretores, o
que significa verificar se eles estão exercendo adequadamente as suas
funções, segundo as suas eventuais especialidades dentro da empresa,
conforme estabelecido no estatuto e no regimento interno. Ora, não terá
um outsider competência para essa finalidade, dada a exigência de
conhecimento técnico inerente ao negócio da instituição financeira. E o
recurso ao auxílio de assessores não resolve o problema, pois o
conselheiro assessorado não saberá identificar se os conselhos recebidos
se encontram de acordo com o que se revelaria corresponder ou não a uma
boa administração de instituição financeira. Entre uma e outra opinião,
diferentes entre si, qual escolher? Essas situações sempre nos remetem à
advertência da esfinge: "decifra-me ou te devoro"[1].
Em
seguida, o art. 142 no mesmo inciso III e no inciso VI atribui-se aos
conselheiros de administração o dever de examinar a qualquer tempo os
livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos
celebrados ou em via de celebração, bem como quaisquer outros atos. Essa
fiscalização revela-se de natureza pessoal, não podendo ser delegada.
Em certos casos, é exigida a manifestação prévia sobre contratos a serem
celebrados, devendo fazer o conselheiro um juízo sobre a sua
conveniência e oportunidade. Assim sendo, mesmo contando com assessores,
o conselheiro de administração deve minimamente saber ler e entender
balanços e demonstrações financeiras e ser capaz de compreender e
avaliar os contratos já celebrados pela instituição financeira e aqueles
que estão em andamento, para o fim de sobre eles fazer um juízo pessoal
de valor e tomar as providências cabíveis, a partir do momento em que
perceber alguma irregularidade. Como se verifica, tais tarefas, nada
triviais, estão muito além do conhecimento relativo à administração de
uma empresa comum, não financeira.
Na mesma linha do que foi
acima referido, compete ao conselheiro de administração manifestar-se
sobre o relatório da administração e as contas da diretoria, conforme o
inciso V do art. 142, a exigir conhecimentos especializados.
O
que se conclui é que a indicação de alguém para o cargo de conselheiro
de administração de uma instituição financeira - tendo em conta neste
passo a LSA - somente deve recair em pessoa que conheça de forma
adequada esse tipo complexo de negócio.
Mudando o foco, não pode
ser esquecida a alínea "d" do art. 117 da LSA, que determina constituir
abuso do poder de controle a eleição de administrador que se tenha como
tecnicamente inapto, precisamente a situação de um outsider, seja, como
já referido, um artista, um jogador de futebol, um modelo, um corredor
de automóveis etc.
Já que o caminho acima revela-se no mínimo
desaconselhável, pode ser feita em relação a tais pessoas uma eleição
para cargos na diretoria, o órgão executivo da sociedade? Em tese sim,
segundo o art. 143, inciso IV, da LSA, na medida em que o estatuto
estabeleça para esses diretores atribuições específicas, não
necessariamente inerentes a uma gestão técnica de instituição
financeira. Seria o caso de uma diretoria de marketing, por exemplo, por
meio da qual, dada a capacidade desses diretores de influenciar e de
captar clientes, possam trazê-los para a instituição financeira que
integram, tornando-os novos clientes. Aí a situação seria a da pessoa
certa no lugar certo. E o próprio estatuto pode elevar o grau de
segurança da atuação desses diretores, exigindo que as decisões por eles
propostas dependam de aprovação em reunião de diretoria (art. 143, §
2º), afastando os riscos de uma atitude particular eventualmente
causadora de riscos para a instituição. Mas vamos ver o que diz a lei
especial.
Mas há uma observação a ser feita, ainda, no plano
societário. Ainda que o estatuto particularmente possa segregar as
funções do diretor de que temos falado, ainda assim não poderia ser
afastada a sua obrigação de fiscalizar a gestão dos demais diretores,
nos termos do art. 158, § 1º da Lei 6.404/1976, exceto se manifestar
expressamente a sua dissidência. Veja-se que o intuito de uma
salvaguarde desse diretor especializado encontra limite, a nosso ver, no
§ 2º do mesmo dispositivo no sentido de que os administradores são
solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não
cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento
normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a
todos eles.
III) O direito societário específico para as instituições financeiras
A
lei fundamental que rege o Sistema Financeiro Nacional é a 4.595, de
3.12.1964, que instituiu o Conselho Monetário Nacional - SFN como órgão
normativo de cúpula; e o Banco Central do Brasil - BCB, como órgão
normativo regulamentador e como o executor das políticas determinadas
pela lei de regência.
No que nos interessa, verificamos que não
há normas diretas na aludida lei sobre a eleição e a atuação de
administradores de instituições financeiras, estando em vigor, em
caráter regulamentar, a Resolução CMN 4.122, de 02.08.2012, que, entre
outras matérias, estabelece as condições para o exercício de cargos em
órgãos estatutários ou contratuais de instituições financeiras. Essa
resolução, por sua vez, tem, por fundamento, artigos das Leis
4.595/1964; 4.728, de 14.07.1965; 6.099, de 12.09.1974; e MP 2.192-70,
de24.08.2001.
Por sua vez, eis as normas abaixo transcritas,
tiradas da Resolução CMN 4.122/2012, particularmente do seu Regulamento
Anexo II (que "Disciplina as condições para o exercício de cargos em
órgãos estatutários ou contratuais das instituições financeiras e demais
instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil"),
tão somente na parte que diretamente interessa ao tema em foco, verbis:
Art.
1º A posse e o exercício de cargos em órgãos estatutários ou
contratuais de instituições financeiras e demais instituições
autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil são privativos de
pessoas cuja eleição ou nomeação tenha sido aceita pela Autarquia, a
quem compete analisar os respectivos processos e tomar as decisões que
considerar convenientes ao interesse público.
§ 1º A eleição ou a
nomeação de membros de órgãos estatutários ou contratuais deve ser
submetida à aprovação do Banco Central do Brasil, no prazo máximo de 15
(quinze) dias de sua ocorrência, devidamente instruída com a
documentação definida pela Autarquia.
...
Art. 5º É também
condição para o exercício dos cargos de membro do conselho de
administração, de diretor ou de sócio-administrador das instituições
referidas no art. 1º possuir capacitação técnica compatível com as
atribuições do cargo para o qual foi eleito ou nomeado.
§ 1º A
capacitação técnica de que trata o caput deve ser comprovada com base na
formação acadêmica, experiência profissional ou em outros quesitos
julgados relevantes, por intermédio de documentos e declaração firmada
pelas instituições referidas no art. 1º, submetidos à avaliação do Banco
Central do Brasil concomitantemente à documentação prevista no art. 4º.
Ou
seja, compete ao BCB apurar o atendimento, pelas pessoas eleitas,
dentre diversos outros requisitos, da capacitação técnica adequada ao
cargo para o qual alguém foi eleito. São exigidos (cumulativamente, a
nosso ver) uma formação acadêmica (ou seja, grau de bacharelado em
alguma universidade reconhecida pelo Ministério da Educação; uma
experiência profissional, que entendemos deva ser específica para a área
financeira e não geral); e outros elementos relevantes, a critério do
BCB. Embora a norma não faça restrição a respeito, não seria compatível
com o seu espírito (ou programação finalística) que uma pessoa formada
em um curso superior de turismo pudesse ser eleita para cargo na
administração de uma instituição financeira.
Ou seja, no caso em
questão, segundo informações disponíveis, parece-nos que a pessoa eleita
para o conselho de administração da instituição financeira em apreço
não preencheria os requisitos estabelecidos pelas normas acima
referidas, as quais devem estar em consonância com a legislação
societária que ladeia as especificas do SFN, pois são confluentes, e,
não díspares, nos seus objetivos e sujeitos passivos, a não ser o fato
de que não existe nas normas do CMN uma abertura para o cargo de
diretor, diferente para o de conselheiros de administração, tal como
acontece na legislação societária. Nada impediria que a regulamentação
do CMN viesse a adotar uma regra particular nesse sentido.
IV) A concorrência complexa do direito concorrencial
Outro
ponto sensível em relação a esse tipo particular de administrador está
relacionado ao direito concorrencial, no sentido de que ele naturalmente
continua a manter uma agenda profissional paralela, ligada à sua
atividade natural e, assim, pode vir a fazer concorrência desleal em
favor de algum concorrente da instituição financeira de cuja
administração participa, de forma direta ou indireta; ou em detrimento
de concorrentes dessa.
Sabe-se que esses profissionais, a partir
de uma carreira de sucesso em determinado ramo, passam a desdobrar a sua
atividade em diversos tipos de negócio, auferindo grande proveito
financeiro do seu nome. Assim sendo, de um lado, eles são titulares,
muitas vezes, de um significativo portfólio de empresas às quais o cedem
(na maioria dos casos, correspondente a marcas de sua titularidade); e,
do outro, eles estarão ligados a um conglomerado financeiro que poderá
ter, da mesma forma, diversos tipos de outros negócios, cada vez mais
variados na economia atual, que se exerce de forma extremamente
disseminada.
Diante do cenário acima citado, as partes deverão
tomar todas as medidas necessárias para que concorrência desleal não
tenha lugar, praticadas pela própria instituição financeira e/ou pelo
administrador ao qual temos nos referido, o que pode gerar problemas
jurídicos diversos. A esse respeito, vejam-se disposições aplicáveis
presentes na Lei 12.529, de 30.11.2011, abaixo transcrita nos
dispositivos pertinentes:
Art. 36. Constituem infração da ordem
econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma
manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes
efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
O
§ 3º desse artigo 36 exemplifica (sem, portanto, ser exaustivo),
condutas que caracterizam infração da ordem econômica, por prejudicarem a
livre concorrência e a livre iniciativa, dentre elas, o concertamento
de condições e posturas comerciais entre concorrentes e a criação de
dificuldades operacionais para concorrentes e seus fornecedores,
clientes e financiadores.
O que se quer dizer é que a ausência
de dedicação exclusiva do artista integrante de conselho de
administração de instituição financeira, potencializada pela sua ampla
agenda comercial, pode militar em desfavor da livre concorrência, em
função da gama de clientes que essa particular espécie de conselheiro
tem. E isso pode ocorrer em uma escala que pode vir a não ficar claro
nem mesmo para os acionistas da instituição financeira aconselhada a
qual "agenda", a quais interesses comerciais, o conselheiro em questão,
de fato, atende.
Conclusão
Em conclusão, o apetite do
mercado para esse tipo de administrador de instituição financeira - que,
se virar um precedente, pode influenciar outras escolhas de perfil
similar - deverá ser temperado segundo um regime adequado para que a
refeição não se torne ingrata tanto ao paladar, quanto ao estômago.
Se
a propaganda é a alma do negócio, por outro lado, o negócio é a alma da
propaganda, o que não é evidentemente a mesma coisa. Particularmente em
instituições financeiras, a propaganda deve atentar para a natureza
especialmente arriscada das operações desses empreendimentos, sujeitos a
risco sistêmico, por não ameaçar apenas o capital dos próprios
acionistas.
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1 Que modernamente poderia ser
referido ao "Dilema Dilma", conselheira episódica da Petrobrás no caso
da compra da refinaria da Petrobrás, o que terminou pesando bastante nos
nossos bolsos.