Pilar 2: dificuldade de implementação no âmbito internacional e nacional
Luiz Felipe Menedin, Vitória Machado de Madureira / Tax Law
11 de outubro de 2024
Por Luiz Felipe Menedin e Vitória Machado de Madureira
Com o avanço das tecnologias, a preocupação por uma tributação internacional do lucro “justa” é um dos pontos de atenção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Na tentativa de se evitar a transferência de lucros para países com menor tributação, foi criado o Plano Base Erosion and Profit Shifting (BEPS), o qual, dentre outros pontos, institui, por meio do chamado Pilar 2, o imposto global mínimo destinado às empresas multinacionais, independentemente do local da sede ou da prestação dos serviços. Essa previsão, no entanto, tem gerado algumas tensões internacionais, especialmente no tocante à soberania estatal e ao controle das operações.
Em apertado resumo, o Pilar 2 visa garantir que empresas multinacionais (MNEs) com receitas globais superiores a € 750 milhões paguem uma alíquota efetiva mínima de imposto sobre a renda gerada nas jurisdições que operam. O framework impõe um imposto complementar (Top-Up Tax) sobre os lucros gerados em jurisdições nas quais a alíquota efetiva de tributação (Effective Tax Rate ou ETR) esteja abaixo de 15%.
Dentre os principais elementos do Pilar 2, destacam-se a Regra de Inclusão de Renda (Income Inclusion Rule ou IIR) e a Regra de Pagamento de Tributação Reduzida (Undertaxed Profits Rules ou UTPR). O cronograma de implementação de cada elemento varia de acordo com o território, e muitos países já estão avançando em direção à adoção dessas novas regras.
Como regra geral, conforme explica a própria OCDE[1], a IIR e a UTPR possuem o mesmo objetivo geral: proteção à erosão de bases tributárias (BEPS), diferenciando-se, todavia, com relação às funções, formas e operações.
A primeira regra estabelece um mecanismo para cobrança de imposto complementar da empresa controladora de um grupo multinacional em relação a subsidiárias estrangeiras sediadas em países que tributam a renda em alíquotas inferiores à alíquota do imposto mínimo global (estabelecida em 15%). Ou seja, se uma entidade em determinada jurisdição tem sua renda tributada a, por exemplo, 10%, a controladora deverá arcar com a diferença para atingir o imposto mínimo.
A segunda regra, por outro lado, atua como mecanismo subsidiário e de segurança da IIR, aplicável aos casos em que o país de residência da controladora não tenha instituído a IIR ou tenha instituído, porém em desacordo com as regras GloBE. Numa linguagem mais simplificada, a UTPR prevê a possibilidade de negativa de deduções enquanto não atingida a alíquota do imposto mínimo global ou um ajuste referente ao remanescente do imposto complementar.
Diante desse contexto de reforma tributária global, recentemente, em 17 de setembro de 2024, o Congresso dos Estados Unidos elaborou uma carta[2] trazendo algumas ponderações sobre a UTPR, assinada por diversos membros do Comitê de Meios e Recursos da Câmara dos Representantes, incluindo o presidente da Câmara.
Basicamente, a carta aborda a discussão de que a adoção do UTPR e de outras políticas do acordo global de tributação seria uma violação da soberania fiscal dos EUA, transferindo o poder de definir políticas tributárias para órgãos estrangeiros não eleitos. De acordo com o documento, a Constituição dos EUA atribui exclusivamente ao Congresso o poder de criar leis tributárias, de modo que a tentativa do Executivo em negociar unilateralmente um acordo internacional viola sobremaneira os poderes constitucionais.
Outro argumento que foi trazido é que a implementação da UTPR e das políticas propostas pela OCDE prejudicaria diretamente a economia dos EUA, pois ensejaria uma renúncia de cerca de US$ 120 bilhões em receitas fiscais para outros governos, ao mesmo tempo em que ofereceria vantagens competitivas a outros países.
O documento também destaca que o sistema tributário dos EUA já conta com uma solução eficaz para combater práticas fiscais abusivas por meio da regra de tributação mínima global conhecida como Global Intangible Low-Taxed Income (GILTI), instituída há sete anos.
Isso significa dizer que a GILTI já tem por objetivo, justamente, a garantia de que as empresas multinacionais paguem uma taxa mínima de imposto, independentemente de onde estão localizadas, motivo pelo qual, de acordo com a carta, qualquer nova tentativa de regulamentação global prejudicaria as empresas americanas.
Desse modo, é possível observar que existe uma preocupação dos Estados Unidos com relação às diretrizes da OCDE na implantação desse pilar, especialmente no que tange à soberania estatal e ao controle dos mecanismos de prevenção de erosão das bases tributáveis, evitando que uma competição desregular.
Partindo para o cenário nacional, é possível identificar aspectos positivos e desafiadores em termos de competitividade global. Isso porque, o Pilar 2 pode reduzir a "corrida ao fundo do poço", em que países diminuem suas alíquotas para atrair investimentos, o que poderia beneficiar o Brasil, que já possui uma estrutura tributária mais complexa e alíquotas elevadas. Isso tende a nivelar a concorrência internacional, favorecendo o país no cenário global.
No entanto, a sua implementação também acarreta desafios significativos, especialmente no que se refere à adaptação das leis fiscais brasileiras. O Brasil, em que pese as recentes reformas tributárias, ainda não possui um sistema de tributação internacional totalmente alinhado com os princípios da OCDE, o que pode gerar atritos e aumentar os custos de conformidade para empresas nacionais e multinacionais que operam no país.
Além disso, o desafio de adaptação da nossa legislação interna e a ausência de reformas fiscais mais abrangentes podem representar barreiras à aplicação efetiva do Pilar 2 no Brasil. Na prática, as regras da OCDE não dialogam necessariamente com as bases de cálculo estabelecidas para o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e para a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Isso significa que uma carga tributária de 34% pode resultar em uma alíquota efetiva inferior a 15%.
Expliquemos melhor. Os benefícios da Sudam e da Sudene, voltados para as empresas do norte e nordeste, por exemplo, estabelecem uma redução de 75% do IRPJ. Do mesmo modo, companhias com altos valores de dedução, como os decorrentes de amortização de ágio, juros sobre capital próprio (JCP) ou subvenções vinculadas ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), podem, na prática, ficar abaixo dos 15%.
Ante o exposto, é possível concluir que o caminho para instituição de uma tributação justa em nível internacional apenas será efetiva com a cooperação de todos os países, a fim de fiscalizar e instituir o imposto global mínimo. Quanto ao Brasil, verifica-se uma oportunidade para se posicionar melhor no cenário internacional, ao aderir a regras fiscais mais justas e transparentes.
No entanto, é necessário um esforço coordenado para adaptar as leis internas e garantir que o país consiga aproveitar os benefícios sem prejudicar a competitividade das empresas nacionais, questão essa que também parece ser a preocupação dos Estados Unidos.
[1] Disponível em: OECD (2020), Tax Challenges Arising from Digitalisation – Report on Pillar Two Blueprint: Inclusive Framework on BEPS, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, Paris,
https://doi.org/10.1787/abb4c3d1-en, Capítulo 7: “Undertaxed Payments Rule”, disponível em:
https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/33895d4d-en.pdf?expires=1727209580&id=id&accname=guest&checksum=5288AA94992FD746BBA4EBFCF15EA3AC
[2] Disponível em: https://waysandmeans.house.gov/2024/09/18/biden-harris-administration-forfeiting-u-s-sovereignty-in-global-tax-deal-is-an-unconstitutional-giveaway-to-china/
Publciado no JOTA.