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Benefícios tributários da lei 14.973/24: Promessas e reflexões para os contribuintes

Claudia Cristina dos S. Abrosio, Luiz Felipe Menedin, Vitória Machado de Madureira / Tributário

01 de outubro de 2024

Por Claudia Abrosio, Luiz Menedin e Vitória Madureira

A lei 14.973/24 trouxe mudanças tributárias, como o novo RERCT-Geral, atualização de bens imóveis e o adicional da COFINS-Importação.

A lei 14.973, publicada em 9/24, trouxe interessantes mudanças no âmbito tributário. Isso ocorreu porque, a pretexto de regulamentar a tão comentada desoneração da folha, a lei introduziu outras regras importantes para pessoas físicas e jurídicas. Dentre as novidades, destacam-se o RERCT-Geral - Novo Regime Especial de Regularização Geral de Bens Cambial e Tributária, bem como a possibilidade de atualização de bens imóveis e o adicional da COFINS-Importação. 

De início, o RERCT prevê a possibilidade de regularização voluntária de recursos, bens ou ativos, mantidos por pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no país até 31/12/23. Esse regime reproduz a sistemática do seu antecessor instituído pela lei 13.254 de 2016, inovando, no entanto, quanto à possibilidade de regularização de bens mantidos no Brasil, mantendo a já conhecida previsão de bens no exterior, desde que de origem lícita, por contribuintes residentes no Brasil, que, até então, não foram declarados ou foram declarados de maneira incorreta.

A extensão da incidência desse novo regime é ampla, incluindo depósitos, cotas de fundos de investimentos, bens imóveis, bens móveis, ativos móveis e intangíveis (como os softwares). A regularização ainda abrange bens mantidos em nome de terceiros, como trusts e fundações, desde que comprovada a conexão com o declarante.

Rememorando a experiência com o RERCT de 2016, é possível trazer alguns pontos de atenção. Embora o regime anterior tenha previsto segurança jurídica e proteção contra fiscalizações retroativas, decisões administrativas posteriores e atos infralegais geraram insegurança aos contribuintes.

À época, o ato declaratório interpretativo 05 de 2018 da Receita Federal, por exemplo, passou a permitir fiscalizações com base na DERCAT - Declaração de Regularização Cambial e Tributária, ao prever a intimação do contribuinte para comprovar a origem lícita dos bens e valores declarados, contrariando o princípio da proteção da confiança. Esse ato causou grande preocupação, pois indicava a possibilidade de uso das declarações para investigações criminais, ainda que a própria lei previsse que a adesão ao regime não poderia ser utilizada como único indício.

Reflexamente, o judiciário também começou a questionar a eficácia dessa proteção. O STF, pela ADIn 5729, analisou a questão do sigilo fiscal no âmbito do RERCT, levantando debates sobre a possibilidade de uso das informações declaradas para fins além daqueles originalmente previstos.

Segundo o Supremo, o art. 7º, §1º e §2º da lei 13.254 de 2016, que institui a garantia de preservação do sigilo das informações prestadas, é constitucional e tem direta relação com a proteção da segurança jurídica e confiança na transação.

Tal entendimento é interessante, pois não afasta a incumbência da Administração Pública de instaurar procedimento investigatório e fiscalizatório, tanto para fins penais quanto administrativos-tributários, uma vez que a mera declaração de regularização não pode ser utilizada como único indício para início de investigação ou procedimento criminal, tampouco para fundamentar, ainda que indiretamente, procedimento administrativo tributário ou cambial. 

Outro ponto decorrente do RERCT anterior que gerou reflexos no judiciário é a previsão de extinção da punibilidade na entrega da declaração dos recursos, dos bens ou dos direitos sujeitos à regularização, em conjunto com o pagamento integral de imposto e multa. Essa questão também foi levada ao STF, buscando a delimitação do princípio da não culpabilidade, tendo sido reconhecida a repercussão geral da matéria em meados de 2021, sob o Tema 1138, ainda pendente de julgamento.

Esses episódios mostram a necessidade de cautela na implementação do novo RERCT-Geral, uma vez que os contribuintes podem enfrentar cenários semelhantes aos observados no regime anterior, especialmente se houver flexibilização das regras em atos infralegais futuros. Ainda assim, a adesão se mostra interessante e uma boa oportunidade de regularização de ativos. 

Cumpre mencionar que os rendimentos, frutos e acessórios regularizados ficarão isentos de multas moratórias se incluídos nas declarações até a adesão ou até o prazo regular da declaração anual. Os ativos regularizados serão considerados como acréscimo patrimonial e tributados à alíquota de 15%, com multa de 100% do imposto, totalizando 30% de recolhimento (a mesma do seu antecessor).

A lei ainda prevê que o contribuinte que aderiu ao RERCT anterior poderá complementar a sua declaração, mediante o recolhimento dos tributos e das multas sobre a parcela adicional. A declaração deve ser realizada de modo detalhado, comprovando a origem dos bens e o declarante, nos termos dos arts. 16 e 17 da lei 14.973 de 2024 e art. 26 da Instrução Normativa 2.221 de 2024.

O prazo estabelecido para adesão é até 15/12/24, condicionado ao pagamento de imposto e multa sobre os valores declarados, observadas as disposições na Instrução Normativa 2.221 de 2024.

Dando continuidade nas novidades introduzidas pela lei, outra previsão é a possibilidade de atualização de bens imóveis já informados na DDA - Declaração de Bens e Direitos para o valor de mercado, tributando-se a diferença para o custo de aquisição pelo IRPF à alíquota de 4%. No caso de pessoa jurídica, a atualização dos bens imóveis no ativo permanente será tributada pelo IRPJ à alíquota de 6% e pela CSLL à alíquota de 4%.

No entanto, caso o imóvel seja alienado nos 15 anos seguintes à atualização, perde-se parte do benefício, sendo que, para fins de cálculo do imposto sobre o ganho de capital, será considerado o valor sem atualização, ajustado por uma fórmula e percentuais estabelecidos na referida lei.

Dessa forma, para pessoas físicas, é necessário atenção na análise. Isso porque, o grande benefício na venda de imóveis por pessoas físicas são as isenções previstas no art. 23 da lei 9.250 de 1995 e no art. 39 da lei 11.196 de 2005.

Em relação à isenção do art. 23 da lei 9.250, ela possui três condições para a dispensa do recolhimento do imposto, que devem ser observadas de forma concomitante: a) o imóvel alienado deve ser o único que o alienante possuía; b) o valor da alienação deve ser de até R$ 440.000,00 e c) o alienante não pode ter se beneficiado dessa isenção nos últimos 5 anos.

Por outro lado, a isenção prevista no art. 39 da lei 11.196 de 2005 concede à pessoa física dispensa legal no recolhimento do imposto de renda sobre o lucro imobiliário, desde que o produto da venda seja aplicado na aquisição de outro(s) imóvel(is) residencial(is) no país, dentro do prazo de 180 dias contados da data da celebração do contrato de venda do imóvel anterior.

Caso o contribuinte não se enquadre nas isenções acima, deverá apurar o lucro obtido na operação de venda do imóvel e calcular o ganho de capital devido. No entanto, mesmo nesses casos, há benefícios que reduzem a base de cálculo, diminuindo o valor do tributo a ser pago. São eles:

a) a redução do ganho de capital prevista na tabela anexa ao art. 18 da lei 7.713 de 1988, a qual dispõe uma redução de 100% a 5% no imposto, conforme o ano de aquisição do bem, sendo aplicável apenas a imóveis adquiridos até 31/12/88. Nesse caso, quanto maior o tempo de posse do imóvel, maior será o percentual de redução do ganho de capital; e b) a redução do ganho de capital prevista nos incisos I e II do art. 40 da lei 11.196 de 2005, que estabelecem fatores de redução denominados FR1 e FR2, cujos percentuais são determinados por fórmulas específicas vinculadas à data da aquisição do imóvel (quanto mais tempo o contribuinte manteve o imóvel, maior a redução no ganho de capital).

Portanto, caso a pessoa física opte por atualizar o valor do custo de aquisição na DDA, será importante considerar os benefícios já previstos em lei, em contrapartida com as limitações estabelecidas pela lei 14.973 de 2024.

A atualização deverá observar os ditames da Instrução Normativa 2.222 de 24/9/24, sendo que a opção de atualização deve ser realizada até o dia 16/12/24, mediante o preenchimento da DABIM - Declaração de Opção pela Atualização de Bens Imóveis.

Por fim, outro ponto que merece uma análise mais detida é a previsão do acréscimo percentual nas alíquotas da COFINS-Importação e as regras de transição da reforma tributária, cenário esse que ensejará o acompanhamento da tramitação da reforma junto ao congresso nacional, para que seja possível "bater o martelo" e identificar os efetivos reflexos no mundo jurídico e fático.

Isso é necessário, porque a lei prevê o acréscimo percentual nas alíquotas da COFINS-Importação de 1% até 31/12/24, o qual será reduzido gradualmente durante o período de 1/25 até 12/27. Ocorre que, para o período de janeiro a dezembro de 2027, com base no art. 126, inciso II, do ADCT, a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social será extinta definitivamente, passando a incidir somente a CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços a partir de 1/27, devendo se observar as regras de transição.

Ao final, percebemos que, apesar da empolgação causada pela lei 14.973, a fruição desses benefícios merece cuidado, seja em razão de experiências anteriores, seja em razão da incerteza futura. Afinal, no âmbito do direito tributário, errar pode custar caro.

Publicado no Migalhas.

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