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Medida provisória não pode ser instrumento para mitigar anterioridade

Tax Law

01 de setembro de 2023

Contribuinte não deveria ser obrigado a reformular seu planejamento de longo prazo em razão de medida transitória

A regra da anterioridade consiste em uma das principais garantias constitucionais detidas pelo contribuinte, a qual, como é cediço, lhe confere um prazo mínimo para que possa se planejar de forma adequada frente ao aumento de seus custos tributários a partir da instituição de novos tributos ou a majoração daqueles já existentes.

Em resumo, a Constituição garante ao contribuinte o prazo de noventa dias (ou de um ano, a depender do cenário) para que possa ajustar o seu planejamento financeiro a um novo cenário de tributação, tudo em homenagem aos princípios da segurança jurídica e da não-surpresa.

O racional que norteia tal regra é lógico: o contribuinte deposita sua confiança nos atos governamentais e, a partir deles, programa a sua rotina para que possa arcar com suas obrigações (financeiras, trabalhistas, fiscais, cíveis etc.). Com a alteração do cenário legislativo, é natural que o contribuinte demande tempo para adequar a sua rotina e, assim, seguir cumprindo tempestivamente com tais obrigações.

É por isso que, publicada lei responsável por majoração de carga tributária, ato que demanda aprovação pelas casas do Congresso Nacional e, consequentemente, o crivo dos representantes eleitos democraticamente pelo povo, surge a certeza entre os contribuintes de que estarão sujeitos a um novo ônus, o que lhes obrigará, dentro do prazo estabelecido pela Constituição, a adaptar seu orçamento e suas rotinas para os períodos subsequentes.

No entanto, comportamentos recentes adotados pelo Governo Federal diante da necessidade de incremento da arrecadação vêm indicando uma nova estratégia para que a nobre função da regra da anterioridade seja driblada (ou ao menos mitigada), qual seja, a utilização de medidas provisórias para majorar ou instituir tributos.

Em resumo, a estratégia é simples, porém muito eficaz. Sabedor de que a arrecadação apenas será incrementada após noventa dias da publicação da lei (o que, muitas vezes, demanda longas negociações entre as casas parlamentares), o governo federal se antecipa ao Poder Legislativo, institui a majoração / instituição de tributos por meio de medida provisória (a qual naturalmente estará sujeita à regra de anterioridade) para, quando da conversão de tal medida em lei pelo Congresso, já ter decorrido a noventena necessária à exigência tributária dos contribuintes afetados.

No entanto, a desnecessidade de observância à anterioridade após a conversão da medida provisória em lei vai contra toda a lógica que orienta o princípio em questão.

É que a majoração ou instituição de tributos provoca a necessidade de o contribuinte modificar todo o seu orçamento e, não raras vezes, sua rotina de apuração das obrigações tributárias, algo que lhe é obviamente muito custoso e que, por uma questão de lógica de mercado, deveria ser evitado ao máximo.

Com isso, tais alterações de planejamento não poderiam ser exigidas a partir de ato precário, transitório e dotado de pouquíssima representatividade política, como o é a medida provisória.

Sobre a precariedade e transitoriedade das medidas provisórias, é importante destacar que o próprio STF já se manifestou nesse sentido, quando, por exemplo, no julgamento da ADI 5.709, entendeu que “medida provisória não revoga lei anterior, mas apenas suspende seus efeitos no ordenamento jurídico, em face do seu caráter transitório e precário”.

Assim, como a anterioridade visa a conferir um prazo razoável para que o contribuinte possa adaptar seu orçamento e suas rotinas, não parece lógico que uma medida provisória lhe obrigue a adotar comportamentos custosos para alteração de toda a sua operação, planejada a longo prazo.

Veja que não se pretende defender no presente texto que medidas provisórias não possam criar ou majorar tributos, o que, como se sabe, é autorizado pela Constituição, mas somente que tais atos não sejam suficientes para afastar a regra da anterioridade após a sua aprovação formal pelo Legislativo (o que substituirá a característica de precariedade por definitividade e representatividade).

Até mesmo porque, conforme definido no artigo 62, § 3º, da Constituição, o prazo ordinário de produção de efeitos de uma medida provisória é de apenas sessenta dias. Assim, como a anterioridade corresponde a uma postergação da vigência de uma norma em noventa dias, não haveria qualquer razoabilidade em se exigir que o contribuinte adeque toda a sua rotina financeira para se adaptar a norma que possivelmente perderá sua validade antes mesmo de entrar em vigor.

E mesmo que ocorra a prorrogação da validade da medida provisória para mais sessenta dias (conforme autorização constitucional), a nova carga tributária produziria efeitos durante apenas trinta dias, o que tampouco justifica que o contribuinte tenha que readequar todo o seu planejamento.

A título ilustrativo, pode-se destacar que o governo federal se utilizou de tal expediente algumas vezes nos últimos meses, com a edição da MP 1182/2023 (que majorou a carga tributária das empresas de apostas esportivas) e da MP 1152/2022 (que tratou sobre as novas regras de preços de transferência).

É por isso que, em nosso sentir, com a conversão da medida provisória em lei – ato definitivo e, consequentemente, dotado de maior confiabilidade –, deve ser inaugurado um novo marco para a contagem da anterioridade, uma vez que somente a partir de tal ato o contribuinte estará certo de que sua carga tributária será afetada a longo prazo.

Ou seja, em resumo, quando da edição de medidas provisórias responsáveis pela majoração de carga tributária, a anterioridade deverá ser observada em dois momentos: o primeiro, quando da publicação da própria medida provisória, em homenagem ao princípio da não surpresa, o segundo, quando da conversão da medida provisória em lei, em atenção ao princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança.

Do contrário, o contribuinte continuará a ter a sua rotina financeira totalmente afetada em razão de medidas provisórias que nem sempre são convertidas em lei e que, mesmo assim, o obrigam a realizar um desvio na rota do seu planejamento de longo prazo, já que a (futura e incerta) conversão da medida provisória em lei trará definitividade ao ato, o qual não estará mais sujeito à noventena.

Publicado no JOTA

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