Natura não quer mais ter ADRs, mas a Kepler Weber quer; Contraditório? Nem tanto
Jonathan S. Mazon / Corporate Law
26 de janeiro de 2024
Entenda as vantagens e desvantagens da listagem de recibos de ações por empresas brasileiras
Na semana passada, duas empresas anunciaram planos para seus American Depositary Receipts, conhecidos como ADRs, ou recibos de ações que podem ser negociados nas bolsas de Nova York. A Kepler Weber, de equipamentos para armazenagem e soluções em pós-colheita de grãos, aprovou o lançamento de um programa de ADRs lastreados em ações ordinárias de emissão da companhia, enquanto a Natura & Co, maior fabricante de cosméticos do mundo, informou que seu conselho de administração aprovou o plano de deslistar os ADRs da empresa da Bolsa de Nova York (NYSE).
Para a Kepler Weber, segundo nota, o objetivo da possível listagem dos ADRs é "aumentar a visibilidade da companhia no mercado de capitais, promovendo a liquidez das ações, ampliando a base de acionistas e facilitando o acesso ao papel por parte dos investidores estrangeiros". Já a Natura afirmou que a deslistagem dos ADRs "está em linha com a estratégia de longo prazo da companhia de simplificar suas operações".
Mas, afinal, o que são os ADRs e por que algumas empresas buscam lançar esses títulos, enquanto outras estão se desfazendo deles?
O que são ADRs?
Os American Depositary Receipts, também chamados de recibos de ações ou simplesmente ADRs, são títulos negociados nas bolsas de Nova York que representam ações de empresas estrangeiras. Ou seja: não são ações propriamente ditas, mas uma espécie de recibo que representa as ações, podendo ser negociadas no mercado americano sem a necessidade de câmbio de moedas.
Para emitir um ADR, a empresa brasileira precisa contratar um banco de investimento, que comprará determinada quantidade de ações da companhia e manterá em custódia nos EUA. Essas ações serão transformadas em recibos que poderão ser negociados pelo investidor americano diretamente do seu home broker, como se fossem ações normais.
• Aqui, podemos usar o velho exemplo da quermesse. Geralmente, quando vamos a uma festa junina, utilizamos nosso dinheiro para comprar fichas. Dentro da festa, essas fichas representam o dinheiro, e circulam entre as barracas com valor de dinheiro. Não são moeda propriamente dita, mas representam a moeda, assim como o ADR não é diretamente a ação, mas representa a ação no mercado dos Estados Unidos.
Quais são as vantagens de ter ADRs listados?
O mercado de capitais dos Estados Unidos é o maior e mais líquido do planeta, e por isso acaba atraindo empresas de todo o mundo. No caso de companhias brasileiras não é diferente: acessar o mercado americano pode significar mais liquidez para os papéis e uma facilidade de exposição ao investidor americano. É justamente isso que a Kepler Weber justifica para levar seus papéis a Nova York.
"Os ADRs facilitam o investimento transfronteiriço, pois eliminam a necessidade de lidar diretamente com as complexidades associadas à compra de ações estrangeiras em mercados locais", comenta Ronaldo Assumpção Filho, sócio do escritório Miguel Neto Advogados, especialista em Direito Empresarial e em Direito dos Negócios.
Outra questão citada por especialistas como vantagem dos ADRs é o fato de que a listagem desses títulos exige das companhias um alto nível de governança corporativa. Isso significa que as empresas que listam ADRs estão aderentes às regras impostas pela Lei Sarbanes-Oxley ("SOx"), instrumento que busca regular a transparência e os controles de empresas de capital aberto a fim de evitar fraudes e inconsistências contábeis.
Com os ADRs, as empresas conseguem "uma espécie de carimbo de que adotam os mais elevados níveis de governança corporativa", avalia Luís Priolli, advogado do escritório Urbano Vitalino Advogados.
Quais são os custos que uma empresa tem ao lançar ADRs?
Manter altos níveis de governança pode gerar alguns custos consideráveis para as companhias. Para empresas que estão buscando reduzir despesas e se reestruturar, portanto, essas exigências podem representar um empecilho, ainda que sirvam como uma vitrine de boas práticas para os mercados internacionais.
"Listar ADR implica em custos adicionais para a companhia, tais como taxas de listagem, custos de conformidade regulatória e despesas para manter a conformidade com padrões contábeis internacionais", explica o advogado Jonathan S. Mazon, especialista em Direito Empresarial do Ayres Ribeiro Advogados.
Mazon também lembra que a empresa brasileira que possui ADRs deverá cumprir as regulamentações da Securities and Exchange Comission, a SEC, órgão equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) dos EUA. Com isso, segundo o advogado, existe o risco de "surgir divergências entre as leis brasileiras e americanas."
Especialistas pontuam, portanto, que listar um ADR traz vantagens, mas também uma série de custos e exigências, o que se encaixa na razão que a Natura está dando para sua deslistagem.
O que muda para o investidor brasileiro?
Ao investir em uma companhia que tem ADRs listados, o investidor brasileiro conta com "a segurança de que a empresa adota elevados padrões de governança corporativa, reduzindo drasticamente a possibilidade de fraudes ou erros nas demonstrações financeiras", afirma o advogado Luís Priolli, do escritório Urbano Vitalino.
Outra possibilidade que se abre, neste caso para investidores com um nível maior de conhecimento técnico, e geralmente com mais volume de recursos, é fazer aquilo que se chama de arbitragem. A ideia dessa operação é "trocar" ações por ADRs, ou vice-versa, caso haja uma grande disparidade de preços entre as duas. Com isso, o investidor pode lucrar com essa diferença, vendendo uma e comprando a outra.
No entanto, é importante lembrar que a diferença cambial também deve entrar na conta, já que as ações são negociadas em real e os ADRs, em dólar. Além disso, para poder comprar ADRs diretamente em dólar, o investidor precisa ter conta em corretora que invista diretamente no mercado americano.
Publicado no InvesTalk.