A inconstitucionalidade das taxas para interposição de recursos administrativos
09 de março de 2023
Ainda que se mostre constitucional a cobrança de taxa para
realização de perícias e diligências, a sua base de cálculo deve ser
estabelecida de proporcional ao custo do serviço público prestado que justifica
a sua imposição.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
(CF), confere à União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a
competência tributária para instituírem tributos, dentre os quais destaca-se a
possibilidade dos impostos, taxas, contribuições de melhorias decorrentes de
obras públicas, empréstimos compulsórios e contribuições especiais.
Conforme discriminadas no art. 145, II, as taxas são
caracterizadas pela vinculação e pela referibilidade que a atuação estatal deve
guardar com o contribuinte, sobretudo em razão do exercício do poder de polícia
ou pela utilização, seja ela efetiva ou potencial, de serviços públicos
específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua
disposição1.
Em paralelo, assim como os entes federados possuem a
capacidade de estabelecer cobranças pela realização de serviços, o
contribuinte, por sua vez, detém o direito de questionar quando entender que
esta cobrança é ilegítima ou inconstitucional. No art. 5º da CF, XXXIV, alínea
"a", são assegurados a todos, independentemente do pagamento de
taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos, contra
ilegalidades ou abuso de poder2.
Como ferramenta fundamental para garantir que todos os
indivíduos possam ser apreciados pelo Estado, o direito a petição se trata de
ferramenta basilar para o exercício democrático sem que haja ameaça ou lesão ao
Direito, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à liberdade e à igualdade processual.
Em outras palavras, trata-se do direito dos contribuintes de
apresentar recurso administrativo com a finalidade de provocar o reexame do ato
de cobrança pela Administração Pública correspondente, que possui, ainda,
fundamentação nos princípios constitucionais do contraditório e da ampla
defesa, previstos no art. 5º da CF, LV, e que assegura aos conflitantes, seja
em processo judicial ou em vias administrativas, a possibilidade de se
defenderem utilizando de todos os meios e recursos a eles inerentes.
Por ampla defesa entende-se a garantia dada aos litigantes,
em processo administrativo ou judicial, de condições que lhe possibilitem
apresentar todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade, enquanto o
contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução
dialética do processo, pois a todo ato produzido por uma das partes caberá
igual direito de defesa3.
Portanto, eventual exigência de garantia ou pagamento de
taxa para a admissibilidade de recurso administrativo viola o art. 5º, LV, da
CF, que assegura o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela
inerentes, e o art. 5º, XXXIV, "a", da CF, que garante o direito de
petição independentemente do pagamento de taxas.
Entretanto, é comum que Estados e Municípios exijam
garantias ou cobrem taxas para apresentação de impugnação e recursos
administrativos, o que, como visto, viola as garantias constitucionais do
contraditório, ampla defesa e do direito de petição, que deve ser marcado pela
gratuidade, sob pena de desestimular ou simplesmente inviabilizar o seu
exercício. Dessa forma, podemos interpretá-los como instrumentos de equilíbrio
entre governantes e governados a fim de garantir o devido processo legal.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 6.145, ajuizada pelo Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), foi instado a se manifestar
acerca da inconstitucionalidade da lei Estadual 15.838 de 2015, do Estado do
Ceará, que exigia o pagamento de taxa caso o contribuinte apresentasse
impugnação em primeira instância administrativa, recurso ordinário pela câmara
de julgamento ou de recurso extraordinário pela câmara superior ou requeresse a
realização de perícia e diligências no âmbito do processo administrativo4.
Dessa forma, entendeu o STF que, no que tange ao direito de
petição e o recurso administrativo, ainda que a legislação do Estado do Ceará
afirme que o recolhimento da taxa não consubstancia requisito de
admissibilidade da impugnação e recurso administrativo, a simples existência da
referida cobrança, independente do momento, revela contrariedade ao direito de
petição5.
Isso porque, a jurisprudência do STF, em especial nos
precedentes que fundamentaram a Súmula Vinculante 216, se consolidou o sentido
de que o recurso administrativo é um desdobramento do direito de petição, de
maneira que, sendo o disposto no art. 5º, XXXIV, "a", verdadeira
imunidade tributária, que impede a cobrança de taxa para exercício do direito
de petição, da mesma forma se mostra inconstitucional a cobrança de taxa pela
apresentação de impugnação ou recurso administrativo.
Por outro lado, no que diz respeito à cobrança de taxa para
efetiva realização de perícias e para empreendimento de diligências a pedido do
contribuinte, o STF entendeu que tais atos não estariam abarcados no âmbito
conceitual do direito de petição, nem violariam o seu direito à ampla defesa e
ao contraditório. Pelo contrário, por entender serem serviços públicos
colocados à disposição do contribuinte, específico e divisível, de utilização
não compulsória (não consubstanciam pressupostos para válida constituição do
crédito tributário), mostra-se constitucional a instituição de taxa para a
realização destes serviços.
Entretanto, tal como instituída, no caso, foi reconhecida a
inconstitucionalidade da taxa, pois o estabelecimento de um valor fixo para
realização de perícias e diligências sem levar em consideração a complexidade,
o lapso temporal para sua execução, os valores envolvidos na apuração do
crédito fiscal e o custo efetivo do serviço público evidenciam a
desproporcionalidade e desconexão da comutatividade ou referibilidade.
Dessa maneira, nota-se que o acesso à justiça se trata de
uma garantia constitucional que acompanha a relação entre os componentes do
escopo social. Assim, o STF, ao julgar inconstitucional a cobrança da taxa pelo
mero exercício do direito de petição, fez prevalecer a garantia dos direitos
básicos destinados a todos os cidadãos e reforçou o amplo acesso a defesa pelo
devido processo legal entre as partes.
Ademais, deixou claro que, ainda que se mostre constitucional a cobrança de taxa para realização de perícias e diligências, a sua base de cálculo deve ser estabelecida de proporcional ao custo do serviço público prestado que justifica a sua imposição.
Publicado no Migalhas.
Referências:
1 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
2 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
3 MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, 33. ed. rev.
e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 - São Paulo: Atlas, 2017, p.
85.
4 Supremo Tribunal Federal. STF invalida cobrança de taxas
em processos administrativos fiscais no Ceará. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=494352&ori=1
5 Supremo Tribunal Federal. ADI 6145. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5702414
6 Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante 21. Disponível
em:
https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=1255