Acionamento judicial de assessorias de investimento em decorrência de prejuízos
Jonathan S. Mazon / Capital Market
22 de outubro de 2024
Segundo Jonathan Mazon, antes de um investidor acionar uma assessoria de investimentos na justiça por causa de um prejuízo, ele deveria acioná-la na CVM.
Conversamos com Jonathan M. Mazon, sócio do Ayres Ribeiro Advogados e especialista em mercado de capitais, sobre o acionamento judicial de assessorias de investimento em decorrência de prejuízos causados a investidores pessoas físicas.
Caso um investidor faça um investimento que lhe gere prejuízo baseado na recomendação de uma assessoria de investimento, ele pode acionar a assessoria na justiça?
Sim, ele pode, mas faz mais sentido fazer primeiro uma denúncia na CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Isso porque os assessores de investimento têm que ser cadastrados na CVM, e ela, como reguladora do mercado de capitais no Brasil, tem o dever de investigar qualquer denúncia, da mais maluca até a mais fundamentada. A CVM olha todas as denúncias, notifica os assessores e cada um deles tem que responder. Contudo, por mais que seja importante acionar a CVM antes da Justiça, nem todo mundo sabe disso.
A CVM tem buscado equilibrar um pouco mais esse jogo para o lado dos investidores pessoas físicas. Já há algum tempo, eu tenho visto a CVM endurecendo as regras e fazendo um movimento constante para chamar mais a atenção desses investidores, que, geralmente, são a ponta mais fraca dessa relação, para fazer valer os seus direitos, mas essa é uma voz sozinha contra muitos influenciadores e o poder de marketing de muitas instituições financeiras. O regulador também tenta, na medida do possível, eliminar conflitos de interesse. Isso porque muitas assessorias são sujeitas a esses conflitos, já que os piores produtos são os que pagam as melhores comissões, e como os assessores vivem de comissões, a relação não começa muito favorável para o investidor.
Feita a denúncia na CVM, o que acontece?
O investidor que fez a denúncia, talvez, não reveja a cor do dinheiro, mas a CVM vai tomar as medidas necessárias para entender se o que aconteceu foi uma irregularidade e se isso é recorrente ou não. Caso seja confirmada a irregularidade, o agente de mercado vai ter uma consequência dessa ação, que vai desde uma advertência até a inabilitação para fazer negócios no mercado de capitais.
A CVM verifica quem é o responsável por revisar o perfil do cliente e se a operação estava de acordo com esse perfil. Essa pessoa tem uma responsabilidade tremenda, pois cabe a ela conferir se as operações estão aderentes às regras. Diga-se de passagem, a pessoa que recomenda o investimento é uma, e a pessoa que analisa se esse investimento é adequado ou não para aquele investidor é outra.
A CVM tem muita seriedade nesse assunto, mas, às vezes, ela demora por falta de pessoal. A CVM vai investigar e todos os envolvidos serão chamados a prestarem informações, já que ela também vai ouvir o outro lado da história. Como regulador experiente, a CVM tende a punir quem estiver infringindo as regras do mercado.
Então essa questão do perfil do investidor não é uma mera formalidade, correto? Se uma assessoria de investimentos oferece produtos que não estão de acordo com o perfil do investidor, ela já está errada?
Correto, mas muitas vezes alguns assessores induzem os investidores. Por exemplo, uma vez eu abri uma conta em um banco, e uma gerente me disse que se eu tivesse um determinado perfil, eu poderia aplicar em um fundo melhor. Eu dei risada e preenchi o meu perfil corretamente. Essa questão de saber se um investimento é adequado ou não ao perfil de um investidor tem um nome bonito em inglês: suitability.
Esses formulários têm que ser preenchidos periodicamente. Por exemplo, de dois em dois anos a minha corretora me manda o formulário para que eu faça a atualização do meu perfil para que eles verifiquem se ele mudou. Embora o retorno não seja exigido, se eu não encaminhá-lo e quiser fazer uma operação, a corretora vai me dizer que não vai fazer nada até eu atualizar o meu perfil.
Para a CVM, o investimento não estar adequado ao perfil do investidor é um pecado capital.
Se a CVM concluir que o assessor está errado, isso favorece o caminho do investidor na Justiça?
Certamente. Como o investidor já percorreu o caminho administrativo e mostrou que o assessor de investimento estava errado, ele tem muito mais base e fundamento para pedir, judicialmente, o ressarcimento do seu prejuízo. Isso não quer dizer que o investidor vai ganhar, mas ele já começa em uma etapa muito mais favorável.
Há cabimento em acionar a instituição financeira que está por detrás da assessoria?
Sim, há cabimento, mas, na minha perspectiva, essa não é uma briga muito fácil, já que as instituições financeiras têm acesso a boas defesas, o que nem sempre acontece com o escritório de investimento. Contudo, é pouco provável que uma instituição financeira esteja descoberta das informações que ela tem que passar para o escritório que a representa e que distribui os seus produtos. Se a instituição financeira, comprovadamente, passou para a assessoria de investimento todo o material sobre o produto que foi vendido por ela, sendo que ela não foi 100% transparente com o investidor, é a assessoria que fica descoberta.
Ou seja, as instituições financeiras neutralizam o problema nas assessorias, correto?
Exatamente. Eu não vou dizer que é impossível, mas é muito difícil uma instituição financeira falhar em uma operação de varejo feita através de assessorias, já que nesse caso, elas estão muito bem cobertas.
Legalmente, existe diferença entre tomar um prejuízo, por exemplo, em um fundo de investimento em ações ou um fundo multimercado e em uma operação estruturada?
Certamente, pois esses são produtos destinados a perfis de investidores muito diferentes. A forma como o mundo jurídico olha para os prejuízos de um fundo de varejo e de uma operação estruturada são completamente distintas. Em um fundo de varejo, o investidor tem acesso a toda a informação. Se o perfil está adequado ao fundo, ele não tem do que reclamar, mesmo que o fundo seja mal gerido.
Já uma operação estruturada é destinada a investidores profissionais e qualificados. Como os volumes investidos e o conhecimento desses investidores são muito maiores, o questionamento de um prejuízo é tratado de forma diferente. Muitos desses investimentos estruturados não estão sujeitos ao Judiciário, e sim a arbitragens, que é um foro muito mais qualificado e que possui julgadores escolhidos pelas partes que realmente entendem das operações e do mercado de capitais.
A arbitragem é mais rápida que o Judiciário, pois demora, 2, 3 anos, mas ela não é barata, pois custa R$ 2 milhões para cada parte. Imagine um investidor pessoa física, que não é profissional, tendo que desembolsar R$ 2 milhões ao longo de 2, 3 anos para custear um processo.
Você pode nos dar uma ideia de alguns casos que você já viu?
Eu já vi um investidor pessoa física, que investia em ações de uma grande empresa de capital aberto, do Novo Mercado, com boas práticas de governança, que se sentiu prejudicado por achar que havia manipulação de mercado, pois, aparentemente, alguns fundos vinculados aos acionistas fundadores da empresa estavam comprando e vendendo ações entre si. Esse investidor fez uma denúncia na CVM que perguntou à companhia o que estava acontecendo.
Feito o questionamento, a CVM foi informada que os fundos não podiam negociar entre si, pois os acionistas fundadores estavam no período de lock-up em decorrência do IPO. Nesse período, os acionistas fundadores não podem vender suas ações. Eles podem comprar, mas não podem vender. Isso porque houveram muitos golpes na Bolsa brasileira onde o sujeito abria o capital, vendia as ações, deixava a companhia ao “Deus dará” e depois recomprava as ações, após alguns anos, por 1/10 do valor. Nesse caso, a defesa foi muito simples e a CVM se deu por satisfeita, mas foi preciso mais um ano para que a investigação fosse encerrada.
Esse investidor ficou chateado porque segurou as ações, que foram se desvalorizando no mercado, mas não havia como ele ficar chateado, pois ele era um investidor em ações que negociava quantidades acima de R$ 50 mil, R$ 100 mil, o que não é trivial, mas que são pequenas quando comparadas às negociações de um investidor institucional. Ele tomou um prejuízo, mas entendia de ações e a empresa não tinha nada com isso, muito menos os seus acionistas.
Em outro, havia dois investidores pessoas físicas, através dos seus family offices, que investiram em um CRI (Certificado de Recebível Imobiliário) emitido por uma mesma empresa, sendo que a própria empresa pediu uma arbitragem para contestar a validade da operação, pois como esses dois investidores tinham um peso muito grande, eles queriam interferir na operação e manter um grau de controle que o emissor não queria que eles tivessem. Nessa época, eu trabalhava na securitizadora, que ficou no meio da briga.
Como cada operação tinha o valor de R$ 10 milhões e a arbitragem custava R$ 2 milhões, não valia a pena, economicamente falando, seguir com esse processo, mas como os investidores estavam tão aborrecidos com essa história, eles queriam montar uma estratégia para ganhar e, se possível, criminalizar os gestores da empresa pela picaretagem que havia sido feita. Dessa forma, foi montado um painel de arbitragem que resolveu o problema de uma forma mais benéfica para os investidores que para a empresa emissora.
Para que você tenha uma ideia de até onde vai o braço para que se resolva uma questão como essa quando há um poder maior envolvido, como a empresa emissora era investida por um grande fundo global americano, os advogados dos investidores foram bater na porta desse fundo para informar o que os executivos da empresa estavam fazendo no Brasil.
Se esse investidor fosse uma pessoa física, ele não teria muitos caminhos. Ele poderia atormentar a empresa na CVM a acioná-la na justiça, mas essa ia ser uma dor de cabeça sem tamanho para que ele pudesse acompanhar essa briga.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
Eu nunca vi um bom negócio me procurar. Até hoje, os negócios que me procuraram, geralmente, não eram bons para mim. Eu não achei bons negócios indo atrás de influenciadores, mas garimpando, lendo livros de 600 páginas e conversando com gestores experientes. O youtuber e o assessor de investimento não são seus melhores amigos. A arma para se defender é a informação. Se o negócio for milagroso, pode investigar que tem coisa por trás. Veja o caso da pirâmide de (Bernard) Madoff, que teve uma rentabilidade de 15% anuais em dólar dos anos 1970 até meados dos anos 2000. Isso em um mercado maduro como os Estados Unidos. Muita gente grande caiu nessa.
Publicado no Monitor Mercantil.